Gilmar Mendes sobre genocídio Yanomami: ‘Desativação de ICMBio, Ibama e Funai levou a isso’

Atualizado em 29 de janeiro de 2023 às 18:54
O ministro do STF Gilmar Mendes. (Foto: Reprodução)

O ministro Gilmar Mendes, do STF, disse em entrevista ao jornal Estados de Minas que o desmonte dos órgãos de controle ambiental e de proteção aos povos indígenas durante o governo de Jair Bolsonaro proporcionaram a situação de genocídio do povo Yanomami e grave crise humanitária na Terra Yanomami, em Roraima.

“É chocante”, afirma o ministro na entrevista publicada neste domingo (29). “Aí, de novo, me parece que é um pouco esse colapso das esferas de administração, porque temos sistemas de proteção aos índios, ao meio ambiente, sistemas legais. Mas a desativação de vários setores, ICMBio, Ibama, Funai, levou a isso. Li um artigo do professor Lenio Streck que fala em genocídio. Portanto, um crime deliberado no sentido de eliminar os indígenas. Se a gente olhar para a autorização de garimpos em áreas indígenas ou em áreas contíguas às áreas indígenas e o não acompanhamento dessa situação, tudo parece que leva a esse tipo de situação, de avaliação.”

Mendes diz que o governo federal não obedeceu ordens do STF para que cumprisse seu papel na proteção e assistência aos indígenas. “O tribunal, dentro daquelas limitações, tomou muitas decisões no sentido da proteção, mas que acabaram não sendo efetivas, tendo em vista, talvez, um propósito deliberado, em alguns casos, de não atender ou de retardar esses comandos”, diz. “Se a gente olhar, determinados setores que estavam incumbidos de zelar pela saúde indígena não tinham a devida formação e competência para fazê-lo. Isso sugere, no mínimo, uma falta grave.”

Ele diz que o STF certamente tomará parte na análise dos crimes praticados contra os Yanomami. “A partir das investigações será fundamental que haja responsabilização, até para que isso não se repita. Há uma pergunta que certamente gravita em nossas cabeças: como chegamos a esse ponto e o que precisamos fazer para que isso não mais se repita? Nós já estamos na segunda fase. Temos de recriar uma nova institucionalidade para evitar que isso se repita.”

Leia outros trechos da entrevista:

“O que se viu em 8 de janeiro não se tratou, propriamente, de um golpe, mas de uma atitude de tumulto, de um grupo inconformado com o resultado eleitoral e com falhas graves no sistema de segurança. Como vimos, as imagens mostraram uma condescendência, quase que uma leniência, quase que uma participação ou cumplicidade de setores da polícia. Aquelas imagens que mostraram o batalhão de choque que não chocava ninguém, que não atuava. Em suma, esse é um elemento de preocupação.”

“A própria reação do novo comandante do Exército repudiando claramente esse propósito é um importante indicativo. E não há clima nos segmentos organizados da sociedade civil para esse tipo de consideração. A democracia se consolidou, e vemos, inclusive, posição, por exemplo, de governadores que foram eleitos com apoio do ex-presidente Bolsonaro claramente repudiando esse tipo de manifestação, casos dos governadores de São Paulo e de Santa Catarina. Não vejo que haja esse propósito, esse desiderato, essa viabilidade. Mas é claro que nós devemos consolidar a democracia. E a democracia não precisa da tutela de forças militares, que devem cumprir sua função constitucional. E que o façam bem, pois vinham fazendo bem, tanto é que havia esse reconhecimento.”

“Eu interpreto os quatro anos do governo Bolsonaro como um certo desvio do nosso processo democrático. De alguma forma, acho que, a duras penas, nós mantivemos a democracia. Já são quase 35 anos de construção, desde 1988, de um quadro de normalidade institucional com todas as dificuldades econômicas e até dificuldades políticas. Mas acredito que o próprio sistema político tem sua responsabilidade e o sistema judicial, também. Eu já disse, em algum momento, que a Lava-Jato é pai e mãe do Bolsonaro, pois levou à derrocada do establishment político e provocou esse cataclismo. E todos pagamos por isso.”

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