Laboratório de Didier Raoult, guru da cloroquina, é denunciado à Procuradoria Francesa por testes ilegais

Atualizado em 29 de outubro de 2021 às 7:21
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Didier Raoult é o diretor do Institut Hospitalo-Universitaire Mediterranée Infection, localizado em Marselha, no sul da França. Foto: YouTube/IHU Méditerranée Infection

A Agência Francesa de Segurança do Medicamento (ANSM) denunciou o laboratório dirigido pelo professor Didier Raoult à Procuradoria da República após descobrir que ele realizou testes com antibióticos para tuberculose sem autorização dos órgãos competentes.

Um dos pacientes usados como cobaia, um homem romeno, de 39 anos, sem teto, teria precisado de cirurgia depois de desenvolver problemas renais. Depois da intervenção, ele teria precisado usar uma sonda por 9 meses. Outro paciente, de mesma nacionalidade, também foi hospitalizado em urgência.

Uma investigação conduzida pela rede pública dos hospitais de Marselha (AP-HM) concluiu nesta quarta-feira que o Institut Hospitalo-Universitaire dirigido por Raoult continuou prescrevendo tratamentos “experimentais” contra a tuberculose apesar de ter recebido reservas da agência francesa do medicamento.

Uma reportagem do site Mediapart publicada no último dia 22 revelou que um menor de idade, de 17 anos, teria desenvolvido graves complicações em meio aos experimentos com quatro medicamentos, sendo que dois deles, a minociclina e a sulfadiazina não têm eficácia comprovada. De acordo com a publicação, foi Raoult e seu diretor adjunto Michel Drancourt que iniciaram os estudos. Segundo a reportagem, o tratamento era prescrito desde, pelo menos, 2017.

“Vimos em relação à Covid, Didier Raoult quer sobretudo que se fale dele. Ele não se preocupa mais com a saúde dos pacientes, mas sobretudo com o seu renome. Para a tuberculose, ele quis encontrar em antigos antibióticos um tratamento eficaz tentando reduzir drasticamente o tempo de hospitalização dos pacientes”, disse uma fonte do IHU ouvida pelo Mediapart, sob anonimato.

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“Não havia dados científicos permitindo pressupor a eficácia desses testes em seres humanos. Didier Raoult teve uma ideia pensando que era genial e se deu mal sem reconhecer seus erros. Esses experimentos foram conduzidos em total ilegalidade e ele os atribui aos jovens médicos e residentes de sua equipe”, diz a mesma fonte.

“Nos deixamos penetrar pela ideologia segundo a qual somos os melhores. E de fato, funcionamos em autarquia, perdendo de vista as regras cientificas e médicas”, revela. O caso já é chamado por alguns cientistas do país de Prevent Senior francês.

“Didier Raoult utiliza pacientes precários, frequentemente estrangeiros, como cobaias. Isso é desumano. Dois pacientes foram parar na urgência por complicações renais que poderiam ter sido evitadas. Estou cansado de constatar que ele coloca em perigo os pacientes em total impunidade, mostrando-se como salvador perante a opinião pública. Sirvo um tirano avido de reconhecimento”, confessa outra fonte do IHU ao Mediapart.

A rede pública de hospitais de Marselha indicou nesta quarta ter recebido um pedido de autorização para conduzir um protocolo de pesquisa para tuberculose em agosto de 2019, que foi rejeitado um mês depois por causa dos riscos. “Apesar das reservas da ANSM, o IHU Méditerranée (dirigido por Raoult) continuou a prescrever esses tratamentos”, disse porta-voz da AP-HM.

Um alerta teria sido emitido em maio deste ano à agência francesa do medicamento. “Consideramos que alguns estudos deveriam ter sido realizados conforme a lei para pesquisas envolvendo seres humanos”, disse a agência, que qualificou os fatos de “inadmissíveis”.

Didier Raoult reagiu à notícia no Twitter, onde negou a existência de pesquisas sobre tuberculose no instituto que dirige. Ele compartilhou um comunicado que reconhece a prescrição de antibióticos para pessoas com tuberculose, que são utilizados para outras doenças. Sobre a reportagem do Mediapart, afirmou ser uma “tempestade num copo d’água”.