Lobistas investigados pela PF por intervenção no RJ visavam Petrobras

Atualizado em 12 de novembro de 2023 às 15:05
Sede da Petrobras no Centro do Rio de Janeiro. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Publicado originalmente no “Brasil de Fato”

Uma troca de mensagens entre dois lobistas investigados pela Polícia Federal por suspeita de envolvimento em um esquema de corrupção e fraude na contratação de coletes balísticos para a intervenção federal no Rio de Janeiro mostra que a dupla tinha interesse em fazer lobby para empresas dos EUA na Petrobras.

Para isso, estavam contando que teriam o apoio estratégico de um militar reformado, também investigado no episódio dos coletes e que atuou como consultor direto do Petrobras no governo de Jair Bolsonaro entre 2019 e 2021, Roberto Castello Branco.

Pelas trocas de mensagens, os lobistas não só demonstram que confiavam na influência que teriam na estatal, chamada por eles de “nossa casa”, como ainda indicam que haveria interesse de um empresário americano em contratos de drones e de sistemas de detecção de vazamentos na Petrobras. Levantamento feito pelo Brasil de Fato a partir do portal de transparência da estatal mostra que, entre 2019 e 2021, a estatal petrolífera firmou contratos que somam R$ 195 milhões envolvendo casos de vazamentos e contratação de equipamentos de drones para serviços como filmagens e medições.

A maioria destes contratos foi com empresas nacionais, mas há pelo menos uma subsidiária de empresa estadunidense entre as contratadas e uma multinacional com escritório nos Estados Unidos. Além disso, o portal da transparência indica apenas o valor total dos contratos e as empresas contratadas, mas não mostra se houve alguma subcontratação ou aquisição de produtos de empresas estrangeiras dentro dos contratos com as empresas brasileiras.

‘A Petrobras é nossa’ 

A conversa que mostra o interesse no lobby para estrangeiros ocorreu em abril de 2019, entre os irmãos Glauco e Glaucio Guerra. O primeiro é um ex-auditor da Receita Federal demitido em 2021 por improbidade e que chegou a ser preso em 2020 na Operação Mercadores do Caos, do Ministério Público do Rio que investigou fraudes na compra de respiradores no Estado durante a pandemia de Covid-19.

O segundo, conhecido como coronel Guerra, é um coronel da reserva da aeronáutica que mora nos Estados Unidos desde 2016, quando foi para a reserva. Seu nome apareceu na CPI da Covid como um dos envolvidos nas negociações da tentativa de venda da vacina Covaxin para o governo durante a pandemia.

As 19h55 do dia 19 de abril de 2019, Glauco enviou um áudio por whatsapp para o irmão: “Gláucio, deixa eu te falar, o Walter entrou em contato comigo, falou que uma empresa americana entrou em contato com a CTU para falar de Petrobras e Exército, pô, Petrobras e Exército é a nossa casa hoje, né? Aí fica ligado aí que depois vou te passar esses dados”.

Na sequência ele envia outro áudio com mais detalhes: “Aí eu respondi para ele: Exército, Chefe de Estado Maior vai ser General Braga Neto que é quem assinou nosso contrato aqui no Rio, ICOLOG vai ser o General Neiva que é nosso contato também e Petrobrás é o Coronel Diógenes, eu não sei se ele blefou, entendeu? Tu que está mais perto aí que vai para Miami acompanha isso aí.”

Às 23h09 daquele mesmo dia, seu irmão respondeu por meio de mensagem de texto: “Ele está buscando informações”. Na sequência, as 23h24 ele encaminha uma mensagem mais detalhada. “Ninguém ligou. Ele quer saber informações sobre os drones e o sistema de detecção de vazamentos”. O relatório da PF utilizado na operação não mostra a continuação da conversa e nem deixa claro quem seria “ele” que Glaucio se refere na mensagem.

O nome Walter é uma referência a Walter Lopes da Silva, empresário que apresentou a CTU aos irmãos Guerra e, segundo as investigações, teria ajudado os irmãos a planejar a fraude, inclusive forjando documentos para garantir a contratação da CTU.

O contrato assinado por Braga Netto é referente à compra dos coletes balísticos pela empresa estadunidense CTU Security no valor de R$ 40 milhões, episódio revelado pelo Brasil de Fato e que levou à operação da Polícia Federal em setembro deste ano para investigar as suspeitas de contratação indevida, dispensa ilegal de licitação, corrupção e organização criminosa.

A sigla ICOLOG é uma referência ao Comando de Logística do Exército, setor responsável pela gestão da logística militar do Exército. Na data do envio das mensagens, o general Carlos Alberto Neiva Barcelos era o Comandante Logístico do Exército.

Lobista atuou diretamente com presidentes da Petrobras  e Transpetro

Já coronel Diógenes é referência a Diógenes Dantas Filho, militar que apesar de ter ficado conhecido pelo nome de coronel Diógenes, foi para a reserva em 2007 como general de brigada do Exército, segundo o Portal da Transparência. Ele chegou a atuar como secretário de Transportes da Prefeitura do Rio de Janeiro entre abril e julho de 2018, durante a gestão Marcelo Crivella (Republicanos) e, em janeiro de 2019, foi contratado como consultor da Presidência da Petrobras, cargo que exerceu até maio de 2021.

Também está entre os investigados pela Polícia Federal por ter firmado um contrato de “consultoria técnica” com a CTU, por meio dos irmãos Glauco e Glaucio (que atuaram intermediando o negócio no Brasil) no valor de R$ 368 mil. Para a PF, porém, o contrato foi apenas para justificar o lobby exercido por Diógenes para conseguir destravar a contratação da CTU junto aos militares do gabinete da intervenção federal.

“Contratado como consultor técnico, no percentual de 1% do valor do contrato, R$ 368.490,83. No entanto, ficou comprovado que sua única função era praticar lobby junto à militares do Gabinete de Intervenção Federal”, afirma a Polícia Federal em relatório que embasou a operação. A contratação se deu, segundo a PF, por meio de uma empresa de consultoria de Diógenes, chamada Faledi Consultoria que tem ele e o filho, Leonardo Gomes Dantas, como sócios.

A empresa tem apenas um registro de contratação pelo governo federal, ocorrida em 2014. A contratação, no valor de R$ 2,5 mil, foi referente a uma palestra para o Batalhão da Polícia do Exército, em Brasília, sobre segurança para autoridades.

Foi no âmbito dessa consultoria que ele chegou a viajar para Miami em maio de 2019 para acompanhar a visita técnica de representantes da intervenção federal à CTU para checar os coletes que seriam contratados. Neste período ele já atuava como consultor da Petrobras, com um salário de R$ 49 mil mensais.

Segundo a estatal, a contratação de Diógenes se deu por “seleção externa direta” e estava entre suas atribuições como consultor “a produção de estudos e análises que subsidiavam processos decisórios nos assuntos voltados à proteção dos ativos tangíveis e intangíveis da companhia”. Ainda de acordo com a empresa, com a saída de Roberto Castello Branco, em abril de 2021, a nova gestão da estatal optou por não renovar o contrato com Diógenes, que foi dispensado em maio daquele ano.

Além da Petrobras, Diógenes também atuou para a Transpetro, a subsidiária da Petrobras que atua no ramo de logística e transporte dos combustíveis produzidos pela estatal. Em junho de 2019, ele passou a integrar o Conselho de Administração da Transpetro, posto que ocupou até julho de 2020. Ele voltou para a companhia em maio de 2021, como assessor especial da Presidência da Transpetro logo após deixar a Petrobras. Com salário de R$ 52 mil, ele ficou no posto até abril de 2023, tendo sido desligado logo após a nova gestão da empresa tomar posse com a mudança de governo, segundo informou a Transpetro por meio de sua assessoria.

Segundo a companhia, Diógenes era “assessor especial da presidência da Transpetro para temas de segurança e inteligência, especialmente no segmento de proteção de dutos”. Em seu perfil no Linkedin, o militar da reserva se apresenta como “gestor de segurança e inteligência patrimonial” e não cita sua experiência como consultor da Presidência da Petrobras nem o cargo de conselheiro e de assessor especial na Transpetro.

Tanto a Petrobras quanto a Transpetro informaram que não há registro de contratos com a Faledi Consultoria. Procurada, a defesa de Diógenes informou que só iria se manifestar após ter acesso aos autos do processo. Desde que o caso veio à tona, o general Braga Netto vem negando quaisquer irregularidades. A reportagem entrou em contato com o escritório que defende Glauco Guerra e deixou recado, mas ainda não obteve retorno até o fechamento desta matéria.

Procurado, o Exército informou por meio de nota que não se manifesta durante apurações e investigações a cargo de outros órgãos.

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