“Lula tem nosso apoio”, diz ao DCM porta-voz do Partido Social Democrata alemão, vencedor da eleição

Atualizado em 29 de setembro de 2021 às 20:02
Nils Schmidt
Nils Schmid, porta-voz do SPD para assuntos exteriores no Bundestag. Foto: Arquivo pessoal

O SPD, partido social-democrata alemão, negocia a formação do governo que vai substituir Angela Merkel e também expressa seu apoio a aliados no mundo. Ele apoia a candidatura de Lula à presidência do Brasil.

“Se Lula for escolhido pelo partido, ele tem nosso apoio”, diz Nils Schmid, porta-voz do SPD no Parlamento alemão para relações exteriores, em entrevista ao DCM.

“Ele é um líder bastante impressionante”, afirma.

O deputado elenca os fatores que, na sua visão, levaram o partido à vitória no último domingo.

Aponta também os próximos desafios nas negociações, principalmente com os liberais, para formar governo.

De acordo com o parlamentar, a Alemanha aguarda o resultado das eleições brasileiras do ano que vem para retomar de fato relações e investir no país.

“A escolha é dos brasileiros, mas considerando os últimos três anos, as relações entre Brasil e Alemanha têm sido mais ou menos inexistentes. Eu gostaria que voltássemos a essa proximidade”.

DCM: Por que o SPD venceu as eleições no domingo passado?

Nils Schmid: Nosso partido venceu com 804 mil votos a mais do que o partido cristão democrático (CDU), o que nos deixa cerca de dois pontos percentuais acima do segundo lugar.

Penso que uma das principais razões foi a confiança no nosso líder Olaf Scholz. As pessoas confiam que ele tem a capacidade para liderar e modernizar a Alemanha.

DCM: Como você classifica o SPD: é um partido de esquerda ou de centro?

Nils Schmid: Centro-esquerda. A Alemanha tem tradicionalmente duas forças, uma é a centro-esquerda e a outra é a centro-direita. Os cristão-democratas, à direita; os social-democratas, à esquerda.

Desta vez, tivemos um amplo apoio por uma via de esquerda, mas reconquistamos muitos que se sentiam conectados à atual chancelaria mas não ao seu partido e eleitores que não votavam mais nas últimas eleições.

DCM: O que vocês fizeram para “seduzir” os eleitores abstencionistas?

Nils Schmid: Enunciando um projeto de transformação industrial que proteja o clima.

Proteger o clima só é possível transformando nossa economia, mantendo a base de nossas indústrias no lugar de investir em retirá-las de modo que se produza energia suficiente.

Modernizar a economia, criar uma economia sustentável foi um ponto.

O segundo ponto é o respeito, que significa reconhecer a contribuição de todos para a sociedade, insistir na igualdade de todos os cidadãos na sociedade, alinhando-a a propostas concretas como o aumento do salário mínimo e a garantia de uma aposentadoria estável.

DCM: Qual é a dimensão do aumento do salário mínimo?

Nils Schmid: Hoje o salário mínimo é de 9,60 euros e nós queremos aumentá-lo para 12 euros a hora, o que é fundamental para que as pessoas garantam uma aposentadoria decente. Essa é uma das nossas principais promessas eleitorais.

É preciso considerar que temos diferentes cenários nos diversos setores da nossa economia. Então estimamos em 10 milhões o número de pessoas que se beneficiariam de um aumento salarial.

DCM: Essa é uma das diferenças com seus rivais da CDU?

Nils Schmid: Exatamente, principalmente no leste alemão, onde os salários costumam ser mais baixos do que no resto da Alemanha.

Lula e Dilma
Governo Lula em visita a Berlim. Foto: Ricardo Stuckert/Jornal Grande Bahia

DCM: Seu programa prevê aumentar os impostos para os ricos, mas seus prováveis parceiros de coalizão no governo, os liberais do partido FDP, não querem. Será possível conduzir uma política de esquerda ou de centro-esquerda ou será mais uma repetição do governo atual?

Nils Schmid: Tem razão. Os impostos são um assunto muito controverso nas nossas negociações com os liberais.

Eles querem inclusive cortar impostos para os ricos e empresas. Então nenhum dos dois provavelmente verá uma mudança acontecer; nem aumento, nem redução de impostos.

Talvez haverá incentivos aos investimentos, mas é muito difícil aumentar impostos para os muito ricos no nosso país.

Nossa constituição dá pouca margem de manobra na política fiscal, então nem um governo de direita conseguiria reduzir impostos de modo significativo.

Vamos ver. Será certamente um debate dentro das nossas conversas.

DCM: Em uma entrevista com a cientista política Ulrike Guérot, ela disse que os alemães de um modo geral não confiam em “populistas de direita”, razão pela qual o partido AfD (Alternativa para a Alemanha, extrema direita) caiu nas últimas eleições. Você concorda com essa visão?

Nils Schmid: Os alemães não são muito atraídos pelo populismo. 15% aderiram nas últimas eleições 4 anos atrás, uma mobilização influenciada mais pela crise dos refugiados do que por um apoio a populistas de direita.

Mas os cientistas políticos têm razão quando dizem que, na Alemanha, comparada a outros países, as eleições privilegiaram mais os partidos ao centro, tradicionais, do que os partidos extremistas de esquerda ou de direita, o que é uma excelente notícia para a democracia no restante do mundo, em função de uma estabilidade.

Haverá provavelmente mudanças na composição da coalizão, mas ainda assim, liberais, verdes, cristão-democratas e social-democratas têm diferenças, mas na política externa têm muitos pontos em comum.

Leia também:

1 – “Alemanha quer mudança, mas não com populistas de direita”, diz ao DCM cientista política alemã

2 – Jovem esquerdista de 27 anos vai ocupar vaga de Merkel na Alemanha

DCM: Falando em política externa, políticos como Jair Bolsonaro contribuem para formar essa repulsa a extremistas?

Nils Schmid: Eu confesso que não se fala muito no Brasil ou em Bolsonaro aqui na Alemanha.

Para os alemães, o Brasil é longe demais. No entanto, o desempenho dos governos populistas em combater a pandemia e fortalecer a economia foi muito ruim.

Não é apenas Bolsonaro, mas também Trump; (Boris) Johnson; Cinco Estrelas, na Itália.

Há uma visão na Europa de que populistas são atraentes para punir partidos tradicionais, mas eles não têm realmente o que entregar.

Mais cedo ou mais tarde, os eleitores dão às costas a esses líderes populistas e me parece ser o caso do Brasil também nas próximas eleições.

O mais importante para as forças democráticas é oferecer uma alternativa crível para o discurso populista e proporcionar concretamente igualdade de acesso, igualdade de oportunidades para amplos setores da sociedade.

Não se trata apenas de combater as ideologias populistas mas com medidas concretas como moradia barata, educação e emprego.

DCM: O que você pensa da política de Jair Bolsonaro?

Nils Schmid: É o povo brasileiro que deve decidir sobre sua liderança. No combate à pandemia, realmente não foi bom.

DCM: Quais são as perspectivas para as relações entre Brasil e Alemanha sob uma coalizão liderada pelo SPD?

Nils Schmid: Vamos resgatar pontos como a democracia, o Estado de Direito, direitos trabalhistas, normas ambientais em relação a acordos de livre-comércio.

Uma coalizão progressista vai querer mais garantias de proteção não apenas às florestas mas também à proteção dos direitos do Mercosul.

Há sempre um grande interesse para as comunidades de negócios no Brasil. Mas acredito que vão esperar por um governo mais previsível antes de se engajarem de um modo mais amplo com o Brasil.

Vamos ter de esperar e ver o que sairá das próximas eleições do Brasil.

DCM: Você quer dizer: se Bolsonaro perder a eleição.

Nils Schmid: Temos negociações difíceis para ratificar o acordo entre a União Europeia e o Mercosul. Não é uma questão que depende apenas da Alemanha, mas também da França.

A escolha é dos brasileiros, mas considerando os últimos três anos, as relações entre Brasil e Alemanha têm sido mais ou menos inexistentes.

Em anos anteriores, havia muito mais cooperação entre o Brasil e a União Europeia. Eu gostaria que voltássemos a essa proximidade nas nossas relações.

DCM: Martin Schulz (ex-presidente do Parlamento Europeu) demonstrou recentemente seu apoio a uma candidatura de Lula para a presidência nas eleições do ano que vem. O SPD também apoia Lula?

Nils Schmid: Somos social-democratas, então apoiamos a social-democracia em todo o mundo, o que se aplica amplamente ao Brasil.

Se o PT escolher Lula novamente como seu candidato, como parece ser o caso, tudo bem. Vamos apoiá-lo.

Lula é conhecido na Alemanha, além de já ter vindo várias vezes até aqui. Ele é um líder bastante impressionante.

As sociedades latino-americanas ainda têm uma enorme desigualdade, então há uma demanda pela social-democracia.

Se Lula for escolhido pelo partido, ele tem nosso apoio. Ele ou outro candidato do PT.