Por que o marco temporal é um capítulo chave na luta anti-bolsonarista. Por Nathalí Macedo

Atualizado em 25 de agosto de 2021 às 22:13
marco temporal: indígenas parados diante da Praça dos Três Poderes
Mobilização em Brasília nesta quarta-feira é a maior desde a Constituinte – Foto: Mídia Ninja

Mais de cinco mil indígenas estão acampados em Brasília dizendo #NãoAoMarcoTemporal (não ao marco temporal). A mobilização chegou aos trending topics do Twitter. E pela primeira vez desde 1988 a Organização das Nações Unidas reconheceu “risco” de genocídio indígena. Aparentemente há dificuldade até mesmo em reconhecer que esse genocídio já acontece desde 1500.

O Acampamento Terra Livre permanecerá montado até o dia 28, mas o julgamento foi retomado hoje. A tese do marco temporal é que a demarcação de terras indígenas deve ser feita somente se o povo que reivindica a terra a ocupava no dia 5 de outubro de 1988, quando a Constituição Federal foi promulgada. Esquecem, ou fingem esquecer, que antes da Constituição, antes da República, antes dos homens brancos, já havia os povos originários.

A inconstitucionalidade dessa tese é tão flagrante que parece piada que ela ainda esteja em discussão. Para além de sequer ter sido prevista na Carta Magna, o marco temporal fere direitos adquiridos e não encontra respaldo jurídico (ou lógico) mínimo.

Trata-se da confissão de um país que se recusa a olhar para a questão da demarcação de terras indígenas com a urgência que ela demanda. Como se indígenas não fossem perseguidos, assassinados e expulsos de suas terras por jagunços, como se mulheres e crianças não estivessem em situação de vulnerabilidade e insegurança alimentar, como se a questão do genocídio dos povos indígenas fosse, enfim, apenas um “risco”.

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Agora, com o julgamento do Recurso 1.017.365 no STF, o esculacho do marco temporal pode ser enterrado de uma vez por todas – ao menos no que depender do Acampamento Terra Livre e da mobilização popular nas redes sociais.

Evidente que a coisa fica mais difícil frente ao bolsonarismo – qualquer coisa fica mais difícil diante do bolsonarismo. O presidente não faz questão de disfarçar: “se eu assumir, índio não terá mais um centímetro de terra” é uma das poucas promessas de campanha que Bolsonaro tem cumprido.

Não é exagero dizer que o bolsonarismo é a maior ameaça aos direitos indígenas em décadas. Em defesa dos interesses do agronegócio, bolsonaristas e ruralistas (que, não raramente, são a mesma coisa), empreendem verdadeira perseguição legislativa aos povos indígenas, e o PL 490 é o maior exemplo disso.

Se aprovado, na prática vai inviabilizar as demarcações, permitir a anulação de Terras Indígenas (TIs) e escancará-las a empreendimentos predatórios, como o garimpo, estradas e grandes hidrelétricas.

Em tempos de caos bolsonarista, a inconstitucionalidade do marco temporal não parece ser suficiente para freá-lo, e a ofensiva aos direitos dos povos originários, está longe do fim.

A luta contra o marco temporal não é só problema dos indígenas: é a luta pelo território que pertence a todos os brasileiros, e que Bolsonaro e sua corja pretendem transformar em pasto e garimpo até o último hectare. Combater o bolsonarismo passa necessariamente por combater o próprio agronegócio – porque, como já foi dito, Bolsonaro é Agro.

Se não é suficiente dizer que um país que não olha para os direitos de seus povos originários está fadado a viver na sombra de sua própria ignorância, talvez devamos lembrar que a luta contra o marco temporal e contra a bancada ruralista não é (apenas) uma luta pelos povos indígenas, é uma luta pela preservação do pouco que ainda resta de Brasil.