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Uma matriz legal contra a crise. Por José Carlos de Assis

Bolsonaro e Guedes

Por José Carlos de Assis

Chegou o momento de enterrar as políticas neoliberais.

Não é mais uma questão de ideologia.

É uma questão de fatos.

Ou o Estado intervém na economia pra valer a fim de controlar a inflação, decretar o fim da estúpida política de preços da Petrobrás, recuperar o controle sobre o setor elétrico, estabilizar o câmbio, regular o comércio exterior –, ou se faz tudo isso, imediatamente, segundo uma nova matriz de política econômica -, ou o que chamam de livre mercado destruirá o Brasil.

É preciso esclarecer a este Congresso, cuja maioria, por fisiologia, se diz neoliberal, apenas para ter acesso ao caixa público, que a luta política neste e no próximo ano vai se dar em outro terreno.

Não no terreno ideológico.

O povo não sabe o que é neoliberalismo, mas sabe o que é preço de gasolina, de diesel, de gás de cozinha, de carne, de arroz e de feijão.

Sabe o que é dólar subindo.

E se impressiona com aumento dos juros, que só agrada aos que especulam no mercado financeiro.

As próximas eleições serão um teste de pedagogia política.

Os ideólogos de direita e seus financiadores multimilionários, que mascaram os interesses pessoais por trás da fantasia do livre mercado, terão de defrontar-se com a realidade crua dos que se empobreceram ou caminharam para a miséria absoluta neste governo, vítimas de uma política econômica que concentra seus ganhos no agronegócio, nos mineradores e no sistema financeiro especulativo.

Será, pois, um teste de realidade.

Não há nenhum instrumento do arsenal neoliberal que possa evitar a escalada inflacionária que se anuncia, em plena tragédia da covid-19.

Esgotou-se, diante de fatos, a retórica fantasiosa dos lunáticos neoliberais que se empoleiraram em áreas-chave do governo para levar o Brasil a uma das maiores tragédias econômicas e sociais de sua história. Guedes e Bolsonaro serão varridos da política.

E integrantes do Centrão vão junto, se não perceberem que pode haver saída também para eles. 

No entanto, pode.

O Supremo Tribunal Federal deu vergonhosa cobertura a políticas antipovo de Bolsonaro e de Temer, seu antecessor imediato, antes de perceber que as instituições democráticas brasileiras, sob o comando deles, corriam sério risco.

Mudou de lado e está dando exemplos de independência.

O mesmo pode acontecer com a parte conservadora do Congresso. Se desembarcar do lado do pior presidente brasileiro de todos os tempos, pode salvar mandatos em 2022. 

Contra a inflação descontrolada não há salvação.

E essa inflação que já está em descontrole não é devida a fatores macroeconômicos, como acreditam Guedes e o Banco Central, com sua estúpida política de juros altos.

Deve-se a fatores reais.

É a oferta de produtos e serviços que não consegue atender a demanda, mesmo baixa, seja porque o desemprego de homens e máquinas é ainda extremamente elevado, seja porque as exportações sugam a oferta interna de alimentos e de seus insumos.

Portanto, é na economia real que o Estado tem que intervir para controlar os preços.

E aqui vai a receita para o Congresso, já que nada se pode esperar do Executivo

No início da pandemia, Guedes e Bolsonaro ofereceram um valor ridículo para o auxílio emergencial.

O Congresso tomou as rédeas e o colocou em nível razoável.

Depois forçou o Governo a prorrogá-lo contra a vontade.

Agora, o Congresso tem margem para agir de novo com independência, como faz o STF.

Antes de mais nada, é preciso recuperar o controle sobre os preços.

O principal deles é o de combustíveis fornecidos pela Petrobrás.

Nesse caso, basta uma lei determinando que os preços dos produtos de estatais voltem a ser estipulados pelo custo, e não por alinhamento com preços internacionais.

Estes foram inventados grosseiramente com a finalidade única de afastar a Petrobrás da distribuição de combustíveis, elevando seus próprios preços, para dar espaço no mercado interno a petrolíferas estrangeiras, com preços mais altos, visando à privatização de refinarias.

É preciso controlar os preços internos do agronegócio e dos produtores de minérios, que estão ganhando os tubos com exportações puxadas pela alta dos preços internacionais.

Para isso basta impor um imposto de exportação sobre produtos do agro e os minerais.

Isso trará os preços internos de mercado para um patamar mais baixo.

Produtores e exportadores não sofrerão muito.

É o setor produtivo mais privilegiado da economia em termos de tributos, de financiamentos e de taxa de juros.

É preciso mudar radicalmente a política de precificação da energia elétrica

A que existe hoje é uma aberração que, infelizmente, vem desde a época de Dilma.

Como medida de emergência, é necessário subsidiar o consumo com a criação de um fundo de estabilização a ser liberado futuramente aos produtores e distribuidores, quando o sistema hídrico voltar à normalidade.

Do contrário, os preços da energia, petróleo e energia elétrica, com a memória inflacionária, nos levarão de novo à hiperinflação.

É preciso controlar o câmbio.

Basta mobilizar o estoque de reservas internacionais de cerca de 350 bilhões de dólares, como medida de emergência, para comprar reais e colocar o câmbio num nível baixo e estável, contra os especuladores.

Essas medidas, junto com menores impostos para importação de bens de consumo de massa e a redução pelo Banco Central da taxa de juros, darão efetiva contribuição à estabilidade dos preços no patamar real da economia.

Isso permitirá que, do lado monetário, o Governo possa ampliar gastos necessários.

Que a maioria do Congresso convoque um grupo de especialistas para colocar esse conjunto de medidas numa única matriz legal a fim de construirmos um mínimo de estabilidade de preços na economia.

Isso corresponde, literalmente, a desmontar o aparato neoliberal que está nos conduzindo a uma tragédia de dimensões escatológicas.

É um pedido que nasce do desespero. Só isso pode acender a esperança de que haja, enfim, racionalidade parlamentar em Brasília, como aconteceu no STF.

Como se diz, a esperança é a última que morre!

Leia também:

1 – Paulo Guedes está na berlinda no Governo Bolsonaro; Saiba o motivo

2 – Record faz matéria de 5 minutos no horário nobre detonando Guedes

J. Carlos de Assis

Economista, doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)[2] e autor de mais de 20 livros.

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J. Carlos de Assis

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