O Chile de Gabriel Boric. Por Emir Sader

Atualizado em 19 de dezembro de 2021 às 19:52
Boric, presidente eleito do Chile, com os braços estendidos
Boric, presidente do Chile. (FOTO; JAVIER TORRES / AFP)

Me dei conta que começava a surgir um Chile novo quando me encontrei, há dois anos, com o prefeito de Valparaiso, Jorge Sharp, e dois igualmente jovens deputados, Gabriel Boric e Giorgio Jackson, todos na casa dos 30 anos. Conversamos longamente em um café e percebi que era uma nova geração, que estava pronta para assumir grandes responsabilidades no pais.

Mesmo com essa consciência, claro que surpreende que, dois anos depois, Boric, pouco após cumprir 35 anos – a idade mínima para ser candidato – é eleito presidente do Chile. A campanha eleitoral foi projetando a Boric com o perfil de quem representa o novo Chile, aquele que nasceu ainda em 2019, com as maiores manifestações que o Chile já havia conhecido, que tiveram no movimento estudantil seu protagonista maior. Aqueles jovens com que eu havia conversado em Valparaiso, despontavam, junto a outros lideres, também provenientes do movimento estudantil, como os maiores protagonistas deste novo Chile.

O Chile que Boric se apresta para governar já não é o pais que se havia caracterizado por ser dos países menos desiguais do continente mais desigual do mundo – junto com o Uruguai e a Costa Rica, considerados, indevidamente, como as Suiças da America Latina. Vitima do mais selvagem neoliberalismo durante os 17 anos da ditadura de Pinochet, cujo modelo foi apenas amainado nos governos da aliança entre os Partido Socialista e a Democracia Crista, na transição democrática, iniciada em 1990 e que terminou definitivamente com as manifestações de 2019.

Como resultado, o Chile passou a ser um dos países mais desiguais do continente. Teve um retrocesso estrutural com o neoliberalismo pinochetista e sua abertura da economia ao mercado internacional. O Chile saiu do Pacto Andino, onde se começava a produzir automóveis entre todos os países, para ficar condenado a ser primário exportador para o mercado europeu.

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A economia chilena ficou reduzida a esse modelo, com as consequências sociais de aumento exponencial da desigualdade. A polarização entre uma elite econômica extremamente rica e uma massa da periferia das grandes cidades e do campo, muito pobre.

A transição moderada, conduzida pela aliança entre o Partido Socialista e a Democracia Cristã prolongou o processo de reversão do Chile como um dos países de menor desigualdade no continente.

Gabriel Boric assumirá a presidência do Chile contando com um vigoroso movimento popular; do que ele próprio surgiu como líder politico. Contará com a Assembleia Constituinte, que já começou a desenhar a nova institucionalidade chilena; abandonando o que restava da herança do pinochetismo.

Boric já declarou que incorporará a seu governo a paridade entre homens e mulheres, característica da Assembleia Constituinte.

Dificuldades Boric terá no Congresso, onde há’ um certo equilíbrio entre as forcas que o apoiam e a direita. Mesmo no seu campo, terá que negociar as iniciativas do seu governo com os partidos tradicionais que o apoiaram no segundo turno – os socialistas e os democrata cristãos; onde talvez Borci terá que buscar alguns quadros para seu governo. Dado que a Frente Ampla e, ele mesmo, não tem experiência previa de governo.

O Chile de Boric poderá contar com importantes aliados na America Latina; entre eles os governos do Mexico, da Argentina, da Bolivia. Contará com o apoio de varias forcas democráticas europeias, entre elas a do governo social democrata alemão e o espanhol.

Boric terá o desafio agora de organizar o bloco de forcas do seu governo; no gabinete, no Congresso e na opinião publica. Antes de tudo terá de encontrar a forma de, pela primeira vez no Chile; colocar em pratica uma politica econômica anti-neoliberal. Uma politica que terá que se equilibrar entre essa tendência e as alianças que terá que fazer com setores do empresariado. Uma politica que terá que responder às promessas de criar grande quantidade de empregos; especialmente para as mulheres, maiores vitimas das politicas anteriores.

O governo deverá colocar em pratica uma politicacoerente com o peso que os mapuches tem na Assembleia Constiuinte, dirigida por uma líder mapuche e com representação especifica dos indígenas.

Terá, paralelamente, que ter fortes ministérios de politicas sociais, de educação, de saúde, de assistência social, para atacar as desigualdades sociais. Terá que desenvolver, de imediato, as politicas de aposentadoria pública, pela primeira vez no pais.

Terá, centralmente, que cumprir com suas principais promessas: ter um ministério vinculado à descentralização administrativa, assim como atendendo as politicas de meio ambiente.Tera’ que desenvolver uma politica externa soberana, aliando-se aos governos da regiao, fortalecendo as organizações de integração regional.

Boric incorporou, no segundo turno, as questões da segurança publica e da imigracao, explorados pela direita no primeiro turno, prometendo combinar segurança publica com respeito ao direito humanos. E regularizacado da situação de todos os imigrantes.

Terá que ser o governo que o Chile não teve na saída da ditadura; que democratize profundamente o pais, que combata centralmente as desigualdades de toda ordem; que recupere o prestigio do Estado chileno e o apoio da cidadania. O Chile de Boric promete retomar a tradição chilena de ser o laboratório de experiências politicas da America Latina.

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