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O exemplo da Alemanha: fiéis pagam imposto da igreja à receita federal e não dízimo a pastores picaretas

Bolsonaro com evangélicos

Este artigo foi publicado no JusBrasil e é mais atual do que nunca. O autor é David Telles, advogado especialista em Direito Tributário

Para ser membro oficial de uma igreja na Alemanha não é preciso somente assistir à missa e seguir o evangelho. Torna-se necessário pagar o Kirchensteuer – ou imposto da igreja – como se fosse um tipo de dízimo que é cobrado diretamente sobre os salários e ganhos de capital dos fiéis pela própria receita federal do país.

De acordo com informações no site da Wikipedia acerca do Kirchensteuer, se trata de um imposto a recolher dos membros das comunidades religiosas para financiar as despesas da comunidade. A Alemanha possui um sistema peculiar no que se refere ao financiamento das religiões, que apenas é partilhada pela Áustria.

Uma mudança nessa cobrança provoca o abandono de milhares de alemães das igrejas Católica e Evangélica (EKD), que em decorrência do imposto arrecadaram quase 11 bilhões de euros (ou R$ 37,4 bilhões, aproximadamente) em 2014.

Com base em dados da Igreja Evangélica, cerca de 200.000 mil fiéis abandonaram seus templos em 2014, um aumento de 45% com relação a 2012 (em 2013 não houve levantamento), de acordo com a reportagem “Alemães abandonam igrejas para evitar impostos”, publicada na Folha de São Paulo em 19 de abril de 2015.

Em relação aos católicos, levantamentos médios das 27 dioceses do país apontam que no mínimo 180.000 saíram. Importante salientar que o fenômeno do abandono é constante há décadas na Alemanha e já registrou outros picos, como na época dos escândalos de pedofilia envolvendo o Vaticano em 2010, por exemplo.

Podemos afirmar que o imposto da igreja alemão data do início do século 19. De acordo com pesquisa na Wikipedia:

Von einer Kirchensteuer im heutigen Verständnis kann ansatzweise erst seit Beginn des 19. Jahrhunderts gesprochen werden.

Foi quando vários Estados independentes localizados no atual território da Alemanha idealizaram uma “taxa” para compensar as igrejas pelo confisco de propriedades. Incluiu-se na Constituição da Alemanha em 1949 e afeta todos os alemães oficialmente batizados a partir do momento em que passam a pagar imposto de renda.

A cobrança ocorre de duas formas:

  • Uma taxa extra de 8% ou 9% calculada em cima do imposto de renda
  • Um percentual semelhante sobre os impostos por ganhos de capital (investimentos em renda fixa, por exemplo).

O portal kirchensteuer detalha:

Der Kirchensteuersatz auf Lohn- bzw. Einkommenssteuer sowie auf die Kapitalertragssteuer beträgt in Bayern und Baden-Württemberg 8%, in den übrigen Bundesländern 9% der Einkommenssteuerschuld.

Wird die Lohnsteuer pauschal vom Arbeitgeber abgeführt (z. B. Bei Geringfügiger Beschäftigung, Aushilfen), wird auch die Kirchensteuer pauschal berechnet, egal ob der Arbeitnehmer tatsächlich Kirchenmitglied ist. Der Prozentsatz liegt zwischen 4 und 7% je nach Bundesland. Bei Minijobs ist in der Lohnsteuerpauschale ein Kirchensteueranteil von 5% enthalten. Hierzu erläutert ein Kirchensteuerexperte der EKD: „Die in der einheitlichen Pauschsteuer definitorisch enthaltene Kirchensteuer ist keine solche im eigentlichen Sinn, da ihr die sie begründenden Merkmale fehlen. Es ist vielmehr eine von allen Arbeitgebern zu tragende staatliche Steuer mit gesetzlicher Verwendungsfiktion.“

Um exemplo: um cristão solteiro na Alemanha com um salário de 36.000 euros por ano deve 7.500 euros de imposto de renda. Em cima desse valor ele ainda tem que pagar cerca de 600 euros extras para sua igreja.

Em virtude de uma reforma no imposto da igreja em cima dos ganhos de capital em 2014, os cristãos do país passariam a pagar mais ainda, pois o tributo é recolhido pelos bancos e debitado em conta.

De acordo com a reportagem da Folha de São Paulo já citada:

Até janeiro, muitos clientes evitavam informar a religião para seus bancos como forma de fugir de outro desconto. Agora os bancos são obrigados a conseguir os dados. No ano passado, a taxa sobre esses ganhos só gerou € 170 milhões (R$ 578 milhões) para as igrejas, mas o valor pode aumentar neste ano para até € 1,4 bilhão (R$ 4,7 bilhões), segundo estimativas do Ministério das Finanças do Estado da Renânia do Norte-Vestfália.

Para Carsten Frerk, especialista em finanças religiosas e crítico do sistema, “o lobby das igrejas junto ao governo alemão para acabar com a brecha irritou os cristãos que já pagavam resignados a taxa sobre o imposto de renda ou que já estavam com um pé fora da igreja”. Na matéria, ouve-se o outro lado. Afirma Thomas Begrich, diretor financeiro nacional da EKD, que defende que os valores são necessários para custear o trabalho social da igreja e suas mais de 1.000 escolas. “Não estamos nadando em dinheiro”, ponderou.

É mister salientar que alguns clérigos chegaram a acusar publicamente os bancos alemães de estimularem seus clientes a deixar as igrejas para fugir do cerco. A Associação Federal Alemã de Bancos Cooperativos (BVR) nega a afirmação.

Pode-se evitar o imposto, contudo gera consequências. Preenche-se um formulário junto às autoridades solicitando o desligamento da igreja, o que pode custar até 32 euros, a depender do Estado. No entanto, para as igrejas alemãs é impossível ser membro e não contribuir. Eis a implicação: os clérigos podem recusar a celebração de sacramentos como casamentos e ritos fúnebres para aqueles que se recusam a pagar. Não podem ser nem mesmo “padrinhos”.

Kiko Nogueira

Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.

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