Categories: História

O homem que mudou a Austrália

Mabo

 

Mabo. Eddie Mabo.

Australiano. Melhor, aborígene, como são chamados os nativos que vivem na Austrália há 40 000 anos, gente que levava uma vida paradisíaca, em plena comunhão com a natureza, até a chegada dos britânicos no final do século 19.

Um homem simples, tosco. Morto, mas não esquecido.

Nesta semana, os australianos festejaram Mabo, definido num artigo da BBC como “o homem que mudou a Austrália”.

A celebração se deu em torno dos 20 anos do final de um processo que Mabo moveu para reivindicar a posse da terra em que ele e a família viviam fazia muitos anos.

Ele não tinha documentos. E enfrentava uma lei sinistra que os colonizadores impuseram aos aborígenes, chamada terra nullius. Essa lei estabelecia que os nativos não eram donos da terra que ocupavam. Elas pertenciam à Coroa britânica. Muitos sequer sabiam que a terra não era legalmente deles. Mabo, por exemplo.

Isso vigorou por quase duzentos anos. Mabo foi quem desafiou, na justiça australiana, a terra nullius. Ele trabalhava como jardineiro numa faculdade de direito, e acabou travando contacto com advogados. Numa conversa, falou de sua terra. Com a maior delicadeza possível, os interlocutores lhe disseram que, legalmente, ele não era dono de nada. “Ele ficou surpreso, chocado”, lembra um dos advogados. Mas não resignado: Mabo decidiu brigar na justiça.

A luta judicial se arrastou por dez anos. Mabo não chegou a ver sua vitória. Morreu de câncer meses antes da decisão que corrigiu uma injustiça histórica na Austrália. Tinha 55 anos, e era casado desde moço com uma aborígene com um nome exótico: Bonita.

Mabo continuou a enfrentar problemas depois da morte. O memorial construído para ele foi objeto de vandalismo. Extremistas brancos pintaram suásticas e a palavra “abo”,  que é a forma pejorativa e racista de se referir a aborígenes. E fizeram desaparecer um retrato de Mabo que fora colocado no local.

Mas o tempo deu a ele o tamanho merecido.

Mabo recebeu, postumamente, uma medalha por sua contribuição ao avanço dos direitos humanos na Austrália.  E é festejado como um símbolo do combate à iniquidade não apenas pelos aborígenes mas por todos os australianos  interessados numa sociedade mais justa.

Paulo Nogueira

O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

Disqus Comments Loading...
Share
Published by
Paulo Nogueira

Recent Posts

Fake news: Governo Lula não pagou por show de Madonna

O governo federal desmentiu informação falsa, que vem sendo compartilhada em redes sociais, de que teria patrocinado…

7 minutos ago

Quase 850 mil são atingidos diretamente por catástrofe no RS

Quase 850 mil pessoas (844.673) foram impactadas até o momento pelas chuvas fortes que atingem…

37 minutos ago

Dono de Mercedes que tirava racha, matou 2 e deixou bebê paraplégico vive impune

O acidente na Rodovia Imigrantes, em 2018, deixou um rastro de destruição e dor para…

54 minutos ago

Com mensagem do Papa e visitas de Lula, RS registra 78 mortos após tragédia

O Rio Grande do Sul enfrenta uma tragédia sem precedentes, com 78 mortos e 105…

2 horas ago

Governo federal reconhece calamidade pública em 336 municípios do RS

O Governo Federal reconheceu calamidade pública em 336 municípios do Rio Grande do Sul devido…

2 horas ago

Contrariando evidências, motorista do Porsche diz que só bebeu água antes de acidente

Cerca de sete horas antes de ter sua prisão preventiva decretada, Fernando Sastre Filho revelou…

2 horas ago