O mundo que Jobs ajudou a construir

Atualizado em 7 de outubro de 2011 às 19:49
Retrato do artista quando jovem

Steve foi  chorado como um amigo por milhões de pessoas no mundo inteiro.

Isso é o suficiente para mostrar seu tamanho, seu impacto na vida das pessoas. Desde Ayrton Senna uma morte não era tão universalmente sentida. O que torna tudo ainda mais extraordinário é que se tratava de um empresário riquíssimo, um tipo que em geral é malvisto. Balzac escreveu que por trás de toda grande fortuna existe um crime, e isso reflete o imaginário popular.  Jobs não foi alcançado pelo estigma antibilionários.

É que Jobs jamais perdeu o ar de garoto rebelde, de anticonformista. De alguma forma, ele nunca pareceu envelhecer. Aos olhos do público, se conservou puro como um garoto sonhador, um quase santo.

Sua maior contribuição foi ter tornado o computador amigável ao público em geral. Durante muito tempo o computador foi uma exclusividade de fanáticos, unidos num gueto. Como líder, tinha uma causa e sabia unir as pessoas em torno dela. Era mais um pregador do que um chefe.

Jobs representou como ninguém o grande paradoxo do mundo moderno: as transformações trazidas pela tecnologia. Tudo mudou – mas, este o paradoxo, não necessariamente para melhor. Dizer, como a Apple fez em seu comunicado, que Jobs melhorou muito o mundo é uma licença poética.

A tecnologia avançada prometia tornar nossa vida mais agradável. Trabalharíamos menos, desfrutaríamos mais do ócio etc. Mas o que aconteceu foi exatamente o contrário. Graças a ela, consultamos o email profissional quando acordamos no meio da madrugada. Trabalhamos nas férias e nos finais de semana. Teclamos no trânsito e quando estamos numa mesa com amigos.

A conexão em regime de 24 x 7 x 365 vai criando uma humanidade alucinada, ansiosa, que terminará teclando desconexadamente no manicômio ou se entupindo de ansiolíticos, ou ambos.

Steve Jobs é o ícone do impacto que a tecnologia tem sobre a nossa vida. A despeito de toda a pirotecnia, a tecnologia não acabou com a miséria, com a desigualdade, com as guerras. E nos tornou, como pessoas, ainda mais infelizes.

Ele próprio. Leio um artigo do escritor e jornalista americano Walter Isaacson. Isaacson conta que Jobs o procurou, já com o diagnóstico do câncer, para convidá-lo a escrever sua biografia. O último encontro dos dois foi na casa de Jobs. Ele já tinha se instalado no andar de baixo porque não tinha força para subir a escada. Isaacson quis saber por que ele decidira fazer o livro. Jobs respondeu que era para os filhos. “Fiquei pouco com eles, e queria que eles soubessem por quê”.

Duvido que as crianças lidem bem com o fato de que foram trocadas pela empresa e preteridas por outros filhos como o iPhone e o iPad. Mas terão dinheiro suficiente para procurar os psicanalistas mais caros, no esforço épico de preencher um buraco impreenchível. Admirável mundo novo. Aspas, naturalmente.

Gostaria de dizer que o legado de Jobs é maravilhoso, mas não vejo razões objetivas para isso, e lamento porque gostava imensamente de seu estilo anticonvencional.