A vida dramática de um pioneiro da liberdade de expressão

Atualizado em 12 de junho de 2013 às 19:16
Carlile

 

Liberdade de expressão?

Vejo, com uma certa tristeza, o esvaziamento completo do Speakers Corner, o lendário espaço no Hyde Park que foi um símbolo do pensamento livre. No Speakers Corner, você podia subir num palanque modesto e falar o que quisesse para quem estivesse disposto a ouvir e, quem sabe, debater.

Mas hoje não é bem assim.

Imagine que você suba e faça o elogio de Bin Laden. Você só não será preso se ficar no palanque o resto da vida. Caso você fala coisas que possam ser consideradas racistas, também terá problemas sérios.

Nem todo mundo percebeu que a liberdade de expressão está morta.

Pouco tempo atrás, um jovem inglês fez no twitter comentários pejorativos sobre um jogador negro que tivera um ataque cardíaco num jogo, numa cena que comoveu os britânicos. As palavras do rapaz receberam, obviamente, respostas iradas. Num certo momento, ele afirmou: “Estou num país livre. Falo o que quiser.” Para encurtar: ele foi identificado e preso.

Penso no mártir inglês da imprensa livre, Richard Carlile, de quem acabo de ler uma biografia. No início do século 19, Carlile lutou pela liberdade de expressão. E por outras coisas, como o sufrágio universal. Naqueles dias, apenas três em cada cem ingleses – os ricos – tinham direito a voto. E escrever coisas que desagradassem ao poder dava cadeia.

Carlile passaria por isso anos na cadeia. Nove anos e sete meses, precisamente.

Ele ficou especialmente marcado depois que escreveu um relato sobre o Massacre de Manchester, em 1819. Carlile, que morava em Londres, foi convidado a participar de uma manifestação em Manchester contra o estado de coisas francamente favorável aos privilegiados. Uma multidão calculada em 80 000 pessoas se reuniu pacificamente, e subitamente soldados montados em cavalos investiram contra os manifestantes. Morreram 15 pessoas, e centenas ficaram feridas. Carlile conseguiu escapar, e escreveu sobre o que viu – para desgosto do governo. (Uma das consequências do Massacre foi o surgimento de um jornal liberal em Manchester, o Guardian, que mais tarde se transferiria para Londres e se tornaria o que é hoje, uma glória da mídia inglesa.)

Carlile combateu o bom combate. Em seus textos, instava os trabalhadores a evitar bebida, andar com roupa limpa e estudar. Aproveitou sua longa temporada na cadeia para ler, ler e ainda ler.

Morreu na miséria. O que ele diria hoje?

Por um momento o imagino no Speakers Corner, cuja existência deve tanto a pioneiros como ele.

Mas.

Mas ele fatalmente acabaria, mais uma vez, na cadeia, como Julian Assange, do Wikileaks.

Liberdade de expressão, gostemos ou não, é apenas uma quimera – linda, mas inexistente na vida real.