A segunda vida de Angelina Jolie

Atualizado em 26 de maio de 2013 às 18:14

A primeira — a de rainha do sexo — se foi com os seios.

Não mais invejada
Não mais invejada

“Existe alguma coisa na desgraça até de nossos amigos que não nos desagrada inteiramente.” La Rochefoucauld, Máximas.

O que uma semana não fez na vida de Angelina Jolie. Ela era, aos 37 anos, o ideal de perfeição da mulher. Invejada pelas mulheres, desejada pelos homens, reverenciada por todos.

Agora ela é objeto sobretudo de comiseração, de piedade. Ela passou a ser a “coitadinha”. A rainha do universo se foi com os seios extraídos.

Soubemos que ela na verdade é uma mulher medrosa, insegura, atormentada pelo medo de morrer como a mãe, de câncer nos seios.

O que víamos era, fundamentalmente, pose. Era cinema.

Seu terror tinha que ser mesmo massacrante para ela se submeter a uma mutilação tão agressiva sem que sequer tivesse câncer.

O que é uma deusa do sexo sem os seios? É uma ex-deusa, sabemos todos. Podemos, educadamente, fingir que nada mudou, mas sabemos que tudo mudou.

E não apenas para ela.

Vistas as coisas sob outro ângulo, o da miséria humana, é a vingança das desprezadas e das ressentidas. Uma tragédia pessoal versus uma irrupção de alegria coletiva entre as amarguradas que vibram sobretudo na desgraça alheia.

Aquela mulher sofrida, humilhada, ofendida, explorada numa rotina terrível –e sem o menor traço de grandeza interior — agora vai poder olhar para Angelina Jolie e pensar: “Ela pode ser casada com o Brad Pitt e ter uma fortuna incrível. Mas eu, eu tenho meus dois seios, e não troco por nada daquilo.”

É Nelson Rodrigues, é Dostoievski, é Machado, o triunfo da mesquinhez amargurada sobre a generosidade compassiva.

É Rouchefoucauld, o colossal frasista francês que disse que sempre haveremos de nos comprazer na infelicidade dos outros.

Não é edificante, eu sei e lamento, e aproveito para erguer aqui com minhas mãos solidárias um cartaz virtual que diz ‘somos todos Angelina’, mas é a vida como ela é, não como nós gostaríamos que fosse.