Os recados atrevidos de Campos Neto a Lula. Por Moisés Mendes

Atualizado em 14 de fevereiro de 2023 às 23:23
Roberto Campos Neto no Roda Viva. Foto: Reprodução/TV Cultura

Roberto Campos Neto não vai, mesmo cercado, pressionado e vaiado, deixar a presidência do Banco Central. Porque, diz ele mesmo, se deixasse, nada iria mudar.

A reposta previsível a uma pergunta inevitável, no final da entrevista ao Roda Viva, tem um componente só aparentemente sutil. Ele não sai e, se sair, tudo fica como está.

Este foi apenas um dos recados disparados pelo presidente do BC. São muitos, e todos contêm arrogância.

Campos Neto mandou dizer a Lula que, se for obrigado a sair, e mesmo que alguns diretores agora sejam novos e escolhidos, pelo que sabe, por consenso com Fernando Haddad, também eles irão pensar como ele pensa.

Se pedisse para sair ou ser saído, o que é difícil e quase improvável, mudariam o presidente do BC, mas o BC não mudaria, porque o banco estaria contagiado por suas ideias.

Campos Neto disse o que não precisa de resumo, nem síntese nem tradução: o BC pensa como eu penso e continuará pensando, com uma autonomia que independe do que o governo pensa.

A conversa mansa e cordial apenas embrulhou o tom pernóstico e egocêntrico do conteúdo das falas.

Quando perguntaram se ele conversou com Lula e se conversaria de novo (foram duas perguntas), Campos Neto respondeu que “está disponível” para explicar o que faz.

O verbo explicar foi repetido duas vezes. Ele quer conversar com Lula para falar da “agenda social do BC” e dizer que o banco precisa trabalhar junto com o governo “num ambiente colaborativo”.

E aí veio então o último recado, depois de dizer que não se deve mexer em meta de inflação. Esse foi o recado: ele gostaria de explicar a Lula “a política de juros e a razão pela qual nós temos juros altos”.

Campos Neto chamovu o presidente para uma conversa, em convocação pública, porque sua missão é a de explicar a Lula por que “nós” temos juros altos. Na segunda pessoa do plural. Nós temos.

Se Lula ainda não entendeu, ele está disponível para essa explicação. É o gesto professoral que parte da imprensa viu como magnânimo, mas é arrogância absoluta.

O presidente eleito seria submetido às explicações do homem que, ao invés de dizer que deseja ouvir, diz que vai dar explicações.

Campos Neto quer dar uma aula de juros altos ao presidente da República, porque não há mais nada a ser efeito a não ser compreender por que existem juros nessas alturas.

A resposta à primeira pergunta teve um detalhe com doses fortes de ironia, quando ele afirma que gostaria de conversar com Lula “principalmente sobre a agenda social do BC”, enfatizando logo a seguir que “a gente tem um fator comum”.

Campos Neto vai explicar a Lula por que os juros são altos, porque Lula ainda não entendeu, e compartilhar com o presidente sua agenda social como “fator” comum.

O Lula preocupado com a urgência das famílias famintas e com a matança de yanomamis, com o resgate do Minha Casa Minha Vida, com um plano de emergência para a vacinação de crianças, com um mutirão que salve o SUS, e Campos Neto aparece com sua agenda social do juro alto, citada cinco vezes.

O entrevistado deixou claro que o BC é um poder paralelo e assim será mantido. Pode conversar, pode interagir com o governo e levar diante ações colaborativas, pode até fazer a concessão das explicações.

Mas ele não sai do BC, e se ele sair, nada muda. Campos Neto mandou dizer a Lula que aceitou o desafio para saber quem governa.

Bolsonaro perdeu a eleição, mas o neto de Bob Fields não perdeu o poder. É quase uma ameaça, um atrevimento capaz de espantar até uma Fátima de Tubarão.

Publicado originalmente no blog do autor

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