Pauta Brasil: Orçamento 2022 será ruim, mas não por falta de dinheiro

Atualizado em 11 de dezembro de 2021 às 11:01
Pauta Brasil falou sobre o Orçamento de 2022
Pauta Brasil falou sobre o Orçamento de 2022

O governo federal apresentou sua proposta de Orçamento para 2022 em agosto. O projeto está em debate no Congresso e precisa ser votado até o próximo dia 17. Duas certezas já estão colocadas. A primeira, é de que a previsão contida na proposta oficial não será suficiente para os investimentos necessários, especialmente em políticas sociais. A segunda é que a justificativa dada para isso é mentirosa, ou seja, afirmar que o país não tem dinheiro é uma falácia.

Em linhas gerais, este foi o debate do programa Pauta Brasil realizado no final de tarde de sexta-feira, 10 de dezembro. O programa é uma iniciativa da Fundação Perseu Abramo, exibido nos canais da entidade no Youtube e no Facebook e retransmitido pelos canais parceiros TV 247, DCM e TV Fórum, além de canais pessoais de lideranças políticas, como Dilma Rousseff.

Márcio Gimene colocou em pauta as razões que levam o senso comum a batizar o Orçamento da União de “peça de ficção”. Para ele, “é preciso entender o contexto político em que a todo momento estão sendo mudadas as regras e as interpretações das regras”. A Lei Orçamentária não é ficção, mas, segundo ele, “os resultados são piores do que muito filme de terror”. Gimene, um dos participantes, é funcionário de carreira da União e presidente da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Planejamento e Orçamento.

Um dos problemas desse enredo, aponta Gimene, é a sobreposição de regras fiscais. A ideia de planejamento, entendida como instrumento para desenvolvimento do país, foi reduzida à obsessão por controle de gastos. “Como se promover desenvolvimento e controlar gastos fossem antagônicos”, criticou. “Controle de gastos é importante, mas não deve ser um fim em si mesmo”.

A predominância do corte de gastos sobre o planejamento voltado ao desenvolvimento produz resultados ruins, o que pode ser observado na comparação entre dois períodos da história nacional recentes. Entre 1931 e 1980, lembra Gimene, o Brasil teve um crescimento per capita da ordem de 4% ao ano, seguido por um período de crescimento médio de apenas 0,5%, entre 1981 e 2020. A diferença? O predomínio do discurso e da prática neoliberal.

Prática marcada por restrições autoimpostas, como definiu o economista:
1) a proibição de que o Banco Central financie diretamente o Tesouro;
2) a regra de ouro, pela qual não se poderia ter despesas correntes financiadas com endividamento do Estado, numa interpretação distorcida de conceito keynesiano (que considerava seguridade social como parte do orçamento de capitais, ao contrário do que pensam hoje os arautos da regra de ouro)
3) a exigência de superávit primário, surgida com a Lei de Responsabilidade Fiscal, cuja proposta original previa a definição desse superávit nos planos plurianuais, o que seria depois transferido para a Lei de Diretrizes Orçamentárias, o que esvaziou o papel do planejamento plurianual;
4) teto de gastos da União, pela emenda constitucional 95.

“A partir dessas regras difundiram-se ideias como ‘a Constituição não cabe no Orçamento’ ou ‘o Estado está quebrado’, e por trás disso tudo uma ideia bastante equivocada de que o processo inflacionário pode ser explicado por um suposto gasto excessivo por parte do setor público. Mas não há nenhuma evidência teórica ou empírica que comprove esta afirmativa”, explicou Gimene. Ele lembra que bastaria citar exemplos de países, como o Japão, em que a relação dívida-PIB está na casa de 200% e a inflação próxima de zero, para desmentir esses “mitos”.

“Já deveria estar provado que essa série de regras autoimpostas está impedindo o Brasil de crescer e de promover inclusão social”, completou. Como resolver isso? Gimene propõe, como ponto de partida, a aprovação da PEC 36, de 2020, que revoga o teto de gastos e a regra de ouro e recoloca o plano plurianual como principal referência fiscal.

Por fim, na opinião dele, é preciso acabar com a falsa noção de que a economia de um país deve seguir a mesma lógica da economia de uma casa, segundo a qual não se pode gastar mais do que se arrecada. “Quem defende isso parece desconhecer um princípio básico de contabilidade, que é o de que todo ativo financeiro corresponde a um passivo financeiro de igual valor. Isso quer dizer que se o orçamento for superavitário, haverá o empobrecimento relativo das famílias e das empresas”.

Bráulio Cerqueira, também servidor de carreira, lotado no Tesouro Nacional, discorreu sobre o que chamou de “outra ficção”, a de que o Tesouro, o governo, não tem dinheiro para pagar as contas nem financiar gastos sociais, a de que o país está quebrado. “Isso, gente, é uma mentira”, disparou. Apesar mesmo de todas as regras fiscais restritivas mencionadas anteriormente por Gimene, Cerqueira lembrou que o mesmo governo que tem dívida pública em reais é aquele que emite a moeda, sendo, portanto, um caso diferente de uma empresa ou uma família. “O governo tem hoje 1 trilhão e meio de reais em caixa”, disse. “Nós também temos 370 bilhões de dólares de reservas internacionais, depositadas no Banco Central, o que faz do governo brasileiro – escutem bem isso – credor do governo Joe Biden”, completou. “Nós temos um estoque considerável de dólares”.

Além disso, destacou Cerqueira, que é dirigente da Unacon Sindical, a taxa básica de juros, hoje em 9,5%, está abaixo da inflação. “O Tesouro não vem encontrando nenhuma restrição para se endividar. O que nós temos são regras fiscais autoimpostas que impedem o investimento. E o Orçamento expressa isso, uma lógica de retirada de direitos da população, de ataques à cultura, à ciência e tecnologia. O Orçamento de 2022 supõe que a pandemia passou e que agora podemos abandonar até a flexibilização de regras adotadas neste ano. Uma verdadeira aberração a peça orçamentária apresentada para o próximo ano. Vamos gastar menos do que gastamos neste ano”.

Para Édrio Nogueia, assessor do Núcleo de Economia da bancada do PT no Senado, o teto de gastos foi criado apenas para justificar as reformas e medidas que viriam a ser adotadas depois, todas no sentido de retirar direitos populares: reforma da Previdência, trabalhista e privatizações. E o teto está na raiz do fim do Bolsa Família e sua substituição pelo Auxílio Brasil, que não será permanente e ainda terá valor pequeno para os beneficiários. “Será meramente eleitoreiro”, afirmou Nogueia. “Mais de 10 milhões de pessoas que foram atendidas pelo auxílio-emergencial ficarão de fora”.

Por outro lado, o recurso à chamada PEC dos Precatórios tal como aprovada recentemente, como artifício do governo Bolsonaro para driblar o teto, não será suficiente para suprir os 106 bilhões de reais que a equipe econômica pediu ao Congresso para adicionar ao Orçamento do ano que vem. Isso ainda é objeto de disputa no Legislativo. Por falar em disputa no Congresso, Nogueia lembrou da briga por emendas impositivas, candidatas a morder fatias da proposta orçamentária para 2022, algo em torno de 16 bilhões de reais a ser decididos pelo relator.

Um dos flancos que ficarão descobertos é o das verbas para saúde pública, que deve ter menos recursos do que teve em 2021, porém com exigências que se manterão ou tendem a aumentar: produção de vacinas, atendimento de casos represados por conta da prioridade dada à pandemia, substituição ou manutenção de equipamentos e necessidade de manter leitos abertos.

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O mediador do debate, Artur Araújo, assessor da Fundação Perseu Abramo, perguntou aos participantes se as regras fiscais em vigor teriam transformado o Orçamento anual e o Plano Plurianual em peças que tiram o valor do voto popular, ao representarem uma camisa-de-força para governos que pretendam nadar contra essa corrente neoliberal. Gimene concordou. “Um agente político que concorde com a retirada de direitos não virá a público dizer que quer fazer um governo que gere desemprego, que force o pobre a passar fome, que não vai atender a saúde. Isso ficaria mal. Então é mais fácil justificar essas coisas com o argumento fiscal”.

Para assistir o Pauta Brasil do dia 10 de dezembro, clique aqui.

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