O povo brasileiro derrotou o negacionismo. Por Emir Sader

Atualizado em 26 de dezembro de 2021 às 13:10
vacina da Covid-19
Vacina venceu o negacionismo – Foto: Reprodução

Vacina foi eleita a palavra mais importante de 2021. Com razão. Porque há um movimento negacionista forte no mundo que busca se opor à ciência, `as vacinas, ao conhecimento.

Um movimento que tem suas sedes mais fortes nos Estados Unidos, na França e em outros países da Europa onde, incrivelmente, apesar do seu nível cultural, setores significativos da população – mesmo se minoritários – se opõem à vacinação, com diferentes tipos de argumento.

O primeiro deles seria o direito individual a cada um decidir se toma ou não à vacina. Remetendo ao liberalismo predominante no campo das ideias no mundo atual, apela a uma decisão individual. Ao direito de cada um de decidir se toma ou não a vacina. Ao direito de se toma ou não a vacina.

Desconhecendo ou negando a ideia, firmada cientificamente, de que a contaminação é o procedimento mais normal de transmissão e que, portanto, vacinar-se não é apenas se defender da doença, como proteger aos outros. Ideia elementar do ponto de vista da ciência, mas que é desconhecida pelos negacionistas.

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No Brasil, o argumento mais usual dos membros do governo e’ a não obrigatoriedade da vacinação. Aparece como razoável. Não reconhecem o direito a tomar a vacina, nem sequer das crianças – presente no Estatuto da Criança -, sobrepondo o direito à liberdade individual de não se vacinar.

Andar pela rua sem ser vacinado, entrar a lugares fechados sem ter tomado a vacinado, lhes parece razoável.

É um principio fundamental do liberalismo. É baseado nele que pregam o fim da obrigatoriedade do voto. Um direito – o de eleger os governantes – não pode se tornar um dever. UM argumento que parece convincente.

Nos Estados Unidos as eleições são realizadas na primeira terça-feira do mês de novembro, dia útil de trabalho, sem direito a se ausentar para votar. Se desincentiva o voto.

Como resultado, tende a prevalecer o que Richard Nixon chamava de “maioria silenciosa”, aquela que se sentia avassalada pelos grandes movimentos democráticos dos anos 1960 e 1970, pelos direitos dos negros, pelos direitos das mulheres e de outros setores negligenciados pelo sistema politico vigente.

Os governantes terminam sendo eleitos por uma minoria. Tem menos força, menos legitimidade para governar. E’ outra forma de pregar o Estado mínimo e, como consequência, a centralidade do mercado. Acobertam esse raciocínio com a apologia da sociedade civil, o conjunto de todos os indivíduos da sociedade, que seria a fonte da democracia, quando essa sociedade predomina sobre o Estado e não ao contrario.

Esse é um dos fundamentos da hegemonia do liberalismo no mundo contemporâneo. A luta da democracia contra o totalitarismo, principio da politica internacional dos Estados Unidos, promove assim o direito individual sobre o direito coletivo. O direito da sociedade sobre o Estado. Um Estado fraco é mais facilmente capturável pelo mercado, pelos interesses privados do grande capital.

O Chile decidiu, há alguns anos, terminar com o voto obrigatório, com argumentos dessa ordem. Passou a haver uma enorme massa, majoritária, de abstenções. Os jovens, que se deixaram levar pelos argumento contra a politica, contra os partidos, contra o Estado, nem sequer tiravam seus títulos de eleitor.

Michele Bachelet, a presidenta que tinha grande prestigio, chegou a ser eleita com cerca de 27% dos votos. Nas eleições recentes do Chile, apesar da grande mobilização e polarização da sociedade, mais de 50% dos chilenos não votava. Uma conquista do segundo turno, que elegeu a Gabriel Boric como presidente do pais, foi se ter conseguido que pouco mais de 50% – 53% mais precisamente – votasse.

A Assembleia Constituinte chilena deve reverter o fim da obrigatoriedade do voto. Se dão conta que as eleições, numa democracia, são um momento em que se deve despertar nas pessoas a consciência do direito e da necessidade de participar das grandes decisões do pais, entre elas, a eleição os seus governantes.

Pela via doa fatos, esse principio individual e individualista, pregado reiteradamente por Bolsonaro, de não se vacinar, foi derrotado fragorosamente. Pela tradição acumulada ao longo das décadas anteriores, que construiu um formidável sistema de vacinação, centrado no SUS, por todo o pais, os brasileiros se deram conta da necessidade da vacinação.

E negaram e derrotaram ao governo, indo maciçamente a se vacinar. Impuseram a que os governos estaduais e municipais promovessem a vacinação, conseguissem as vacinas. E o SUS desempenhou o papel fundamental de garantir a vacinada para todos.

Temos não apenas que celebrar esse fato, mas que propagar o que está por trás dele: a vitória da ciência e dos direitos coletivos, quando eles se chocam com os individuais.

Ao se vacinar maciçamente, ao buscar maciçamente as vacinas, ao encontrar no SUS o instrumento fundamental para se vacinar, o povo brasileiro impôs a maior derrota ao Bolsonaro e a seu negacionismo.