O caso Rodrigo Neves e o jogo sujo da Lava Jato e Niterói. Por Miguel do Rosário

Atualizado em 13 de fevereiro de 2022 às 15:22
A imagem da Lava Jato de Niterói
O caso Rodrigo Neves e o jogo sujo da Lava Jato e Niterói. Foto: Reprodução/OCafézinho

O jornalista Miguel do Rosário, do site O Cafézinho, publicou um texto importante sobre a Lava Jato do Rio de Janeiro em 18 de dezembro de 2020. Confira.

acusação do Ministério Público contra o prefeito Rodrigo Neves é uma peça de ficção terrivelmente mal escrita, reunindo todos os clichês e abusos lavajatistas que temos visto nos últimos anos, e que nos levaram a experimentar a pior crise econômica do século, além de uma paralisia administrativa que perdura até hoje.

Em primeiro lugar, coloquemos os pontos nos is. Embora o nome Lava Jato não seja usado na operação, provavelmente porque a grife perdeu um tanto de seu prestígio, por ficar associada a uma série de erros – e até mesmo crimes – processuais, cometidos tanto por membros do Ministério Público como pelo judiciário, é uma operação lavajatista dos pés à cabeça.

O timing da operação é totalmente lavajatista. A data da denúncia é o dia 30 de novembro, o que nos dá a impressão que se planejou a operação para que viesse a público pouco antes da votação do segundo turno no município. Mas como não houve segundo turno (pois o sucessor de Rodrigo Neves venceu no primeiro turno, com mais de 60% dos votos), então se fez a operação no dia da diplomação do prefeito eleito, Axel Grael.

O procurador que assina a acusação, Carlos Alberto Gomes de Aguiar, era o coordenador da Lava Jato no Rio de Janeiro. Aguiar parece ter sido contaminado por todos os vícios do lavajatismo, em especial um rancor incomensurável pela classe política, como se depreende pela peça de acusação contra Rodrigo Neves, que traz tantas ilações sem fundamento que apenas se pode atribuí-las a um preconceito de ordem ideológica. O lavajatismo sempre teve ares fascistas, por duas razões fundamentais. Primeiro, por um higienismo estarrecedor: é verdade que há muita corrupção no país, e que ela deve ser combatida com inteligência e seriedade pelos órgãos de controle, mas o lavajatismo não se limita a combater o crime; quer também combater a própria política. A peça de acusação assinada por Carlos Aguiar, por exemplo, fala em tom acusatório e preconceituoso de doações absolutamente legais que Rodrigo Neves recebeu de empresas em suas primeiras campanhas, quando esse tipo de doação era permitido e todos os candidatos competitivos recebiam.

Marcello Granado, o desembargador que autorizou as operações espetaculares de busca e apreensão vistas na última quarta-feira 16, é uma figura controversa no judiciário fluminense: foi notificado e investigado em 2018 foi ter declarado apoio, em suas redes sociais, ao então candidato Wilson Witzel dias antes de relatar uma decisão do TRF-2 que aumentou a pena de prisão de outro candidato, Anthony Garotinho, decisão essa determinante para que Garotinho tivesse sua candidatura cassada pela Lei da Ficha Limpa.

Se já é estranho alguém apoiar uma figura tão controversa como Witzel, um ex-juiz que ganhou fama ao posar ao lado de bolsonaristas que depredavam uma plaquinha simbólica de rua em homenagem a Marielle, é positivamente bizarro que esse apoio venha de um desembargador da república, que precisa demonstrar imparcialidade, e que tinha em mãos, naquele exato momento, processos que prejudicavam outro candidato.

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Retrato do Judiciário

Entretanto, a história mais grotesca envolvendo Granado, e que infelizmente é um retrato fiel do nosso judiciário, convertido numa casta aristocrática com escasso compromisso com o bem estar coletivo, aconteceu no início de 2015. Por um erro administrativo, Granado recebeu salário duplicado em janeiro e fevereiro, o que significou R$ 72 mil a mais em suas contas.

Ao perceber o engano, o Tribunal Regional Federal da 2a Região (TRF2) – ao qual o magistrado é vinculado – abriu um procedimento generoso para a devolução dos recursos, requerendo parcelas mensais de 10% do salário dele, até se chegar ao valor correspondente. O desembargador, todavia, se recusou a pagar, e uma colega lhe concedeu liminar impedindo o procedimento do TRF2. E ficou por isso mesmo!

Esse é o desembargador que autorizou uma denúncia que não traz uma mísera prova de enriquecimento ilícito do prefeito Rodrigo Neves, figura pública altamente querida no município, como ficou provado pela vitória maciça de seu sucessor. A propósito, Niteroi figurou, nos dois últimos anos consecutivos, em primeiro lugar no ranking de gestão fiscal da Firjan, para o estado do Rio; e a administração de Rodrigo Neves foi reconhecida internacionalmente no combate ao coronavírus. Essa é a gestão que um procurador descreve, sem apresentar nenhuma prova, como “um modelo de gestão pública marcado pela prática de ilegalidades”?

O que a denúncia traz, sim, é a confirmação, pela enésima vez, de que o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE) era um valhacouto de corruptos, que exigiam propinas de todas as empresas que queriam participar de licitações em qualquer município do estado do Rio. A denúncia do MPF traz a confissão, neste sentido, do próprio ex-presidente do TCE, Jonas Lopes. Entretanto, não se pode, por isso, condenar todas as administrações municipais do estado por conta de um problema que não era sua responsabilidade. Se o TCE do Rio era corrupto – e era mesmo -, apenas o Ministério Público e a Polícia Federal tinham instrumentos para investigar e reprimir ministros e servidores desse órgão. As prefeituras eram vítimas.

As propinas mencionadas na denúncia não se destinavam a membros da administração municipal; segundo o próprio delator Jonas Lopes, ex-presidente do TCE, os recursos ilícitos eram extorquidos de empresas que tinham negócios com a prefeitura e eram destinados aos próprios ministros do TCE. Ou seja, não iam para Rodrigo Neves, não iam para a campanha de Rodrigo Neves, e não iam para qualquer servidor da prefeitura.  É um caso de corrupção envolvendo o TCE, e apenas o TCE.

A única menção que se faz a Rodrigo Neves, por parte de Jonas Lopes, é quando ele revela que houve uma reunião no TCE, entre o prefeito, o empresário Ricardo Pessoa, e dois conselheiros do TCE (o próprio Jonas Lopes e Aloysio Neves) para tratar do que seria uma das maiores e mais importantes obras viárias da cidade dos últimos anos, financiada quase que inteiramente (95%) pelo governo federal. Não se discute nada de ilícito na reunião. Após a saída do prefeito e do empresário  – conta o delator – é que o ministro Aloysio Neves fala em propina a ser paga aos colegas do TCE, para aprovar a obra. O depoimento de Jonas Manuel é bastante confuso, todavia. Ao final, ele sequer confirma que as propinas pagas vieram mesmo da obra realizada em Niteroi, pois afirma que “inicialmente acreditava que o pagamento tivesse sido realizado pela empresa FW, de Flavio Werneck”, e “que não pode confirmar essa parte do depoimento”.

Em suma, o ex-presidente do TCE, convertido em delator, não envolve o prefeito Rodrigo Neves nem qualquer outro membro da prefeitura.

As delações de Ricardo Pessoa, dono da UTC e da Constran, e de Ricardo Pernambuco, dono da Carioca, empresas que se associaram para construir a BRT Transoceânica, também não trazem qualquer acusação contra Rodrigo Neves, ou contra qualquer membro da administração municipal.

Se faltam evidências de participação de Rodrigo Neves em qualquer ato ilícito, sobrem ilações do procurador. Ele conclui que a licitação beneficiaria a Constran porque o edital exigia que as empresas que participassem tivessem capital nacional. Como havia empresas estrangeiras interessadas, elas não puderam participar. Ora, ocorre que o financiamento vinha quase que inteiramente (95%) do governo federal, e havia uma diretriz e uma estratégia de fortalecer a indústria nacional. O prefeito Rodrigo Neves poderia não receber os recursos se não obedecesse a essas diretrizes. Além disso, não é crime, em lugar nenhum do mundo, priorizar empresas nacionais em obras públicas. Nos EUA, muitos condados e estados tem leis que proíbem a participação de empresas estrangeiras em licitações de obras públicas.

Vale notar que o procurador, neste ponto, enfatiza o fato do prefeito pertencer, naquele momento, ao Partido dos Trabalhadores:

“Na época o país era administrado pelo Partido dos Trabalhadores, mesma agremiação de NEVES até então, o que facilitaria a obtenção de recursos para o financiamento da obra. 

De fato, antes mesmo de assumir a prefeitura, RODRIGO NEVES e Axel Grael foram recebidos pela ex-presidente Dilma Rousseff e também pela então Ministra do Planejamento Miriam Belchior com vistas à liberação dos recursos para a obra.”

Esse trecho é curioso.

Primeiro, há mais uma ilação, a de que o fato do prefeito pertencer à mesma agremiação da presidente “facilitaria a obtenção de recursos para o financiamento da obra”. O Rio de Janeiro não era administrado pelo PT, assim como diversas outras cidades, e também receberam generosos recursos do governo federal. Essa é mais uma ilação que deixa transparecer o rancor ideológico-partidário do procurador. E qual o motivo para descrever o encontro de Neves com a então presidente Dilma e ainda publicar, na denúncia, um print de reportagem sobre o encontro?

O que isso prova, a não ser a sistemática desconfiança do procurador de tudo que é relacionado à política?

O mais importante, porém, é que a denúncia não oferece nenhuma evidência de que as empresas que fizeram as obras destinaram qualquer propina a Rodrigo Neves ou a alguém da administração. O que a denúncia traz é somente o depoimento, um tanto confuso, do ex-presidente do TCE, Jonas Lopes, dizendo que não pode ter certeza se a propina que recebeu vinha de Flavio Werneck (que nem sabemos quem é) ou das empresas responsáveis pela BR Transoceânica.

Por fim, a única “prova” na denúncia contra Rodrigo Neves é uma reportagem do Globo, de março de 2015, auge do lavajatismo histérico que levaria ao impeachment de Dilma um ano depois, na qual a força-tarefa divulga, em tom de denúncia, que os “repasses da UTC a Rodrigo Neves somam R$ 2,27 milhões desde 2002”. Detalhe: a Lava Jato obtivera essa informação em arquivos públicos do TSE, à disposição de todos.

Esse é mais um clássico do pior que o lavajatismo tinha a mostrar: rechear denúncias com reportagens do Globo baseadas em informações anódinas repassadas pela… Lava Jato.

Passemos agora à análise da outra denúncia contida na peça de acusação, a de que houve desvios nos contratos de publicidade firmados entre a prefeitura de Niteroi e a empresa Prole, pertencente a Renato Pereira, que se torna delator.

Aqui, mais uma vez, nem os autos nem o delator oferecem qualquer evidência conclusiva de crimes contra o erário, e muito menos da participação de Rodrigo Neves em qualquer esquema. O único fato explicitamente ilícito apontado pelo delator envolveria André Felipe Gagliano Alves, assessor do prefeito, que teria pedido à agência de publicidade uma mesada de R$ 20 mil para si e outra de R$ 60 mil para o “caixa da prefeitura”.  Entretanto, não se apresenta nenhuma prova desses pagamentos. Ao quebrar o sigilo bancário de Gagliano, o procurador usa outro truque bastante comum na cultura lavajatista, que é somar valores recebidos durante enormes intervalos de tempo para chegar a um número supostamente impressionante.

O procurador parece não ser bom de matemática. Ele afirma que a denúncia de que Anfre Felipe Gagliano receberia R$ 20 mil mensais da agência de publicidade seria “compatível” com a movimentação financeira em sua conta, e traz a informação de que Gagliano recebeu R$ 722 mil em créditos, entre setembro de 2013 e agosto de 2018, período durante o qual a propina teria sido paga. Desse montante, um total de R$ 267 mil teria sido pago em espécie. Ora, o período em questão corresponde a mais ou menos 60 meses, de maneira que os R$ 722 mil em crédito equivaleriam a R$ 12 mil por mês. E os depósitos de R$ 267 mil em espécie, por sua vez, divididos por 60, corresponderiam a cerca de R$ 4 mil ao mês.

Lembremos que o desembargador que assina a denúncia, Marcello Granada, ganhou “por engano”, R$ 72 mil em janeiro e fevereiro de 2015…

Não posso botar a mão no fogo por Gagliano, mas se ele recebeu a mesada, a movimentação financeira trazida pela denúncia não prova nada. E se não prova nada, ela é uma prova de inocência, e não de culpa. Se Gagliano recebeu, efetivamente, essa “mesada” descrita por Renato Pereira, o MP vai ter que investigar mais para descobrir.

Quanto à mesada de R$ 60 mil para a caixa da prefeitura, nem os autores nem os delatores oferecem evidências, mas desde já se pode apontar para um ponto bem ridículo dessa história, que seria o prefeito extorquir justamente a empresa responsável por sua campanha e pela imagem da sua administração. Enfim, tudo é possível no Brasil, mas, em nome do Estado Democrático de Direito, é preciso sempre que, antes de se expor alguém a condenação midiática, se ofereça provas sólidas para qualquer acusação dessa natureza. É por isso, aliás, que delações deveriam ser mantidas em sigilo, para que a palavra de corruptos não sejam usada para, eventualmente, manchar a reputação de pessoas honestas.

A denúncia gasta ainda dezenas de páginas para mostrar supostos indícios de que a agência de comunicação não prestava os serviços pagos pela prefeitura. O caso me lembra a condenação do almirante Othon Pinheiro, onde os procuradores do MPF fizeram coisa parecida: analisaram os serviços prestados pelo almirante, maior especialista em energia nuclear do país, a uma empresa, e decidiram que eles não valiam nada. A mesma coisa vemos aqui. O MPF se prende a filigranas inteiramente burocráticas para afirmar que os serviços prestados pela agência não foram devidamente prestados ou não foram devidamente documentados.

Neste ponto, nos deparamos com uma lamentável contradição que abrange as duas denúncias da peça de acusação, tanto à relacionada as obras da BRT Transoceânica como aquela relativa aos contratos de publicidade: a denúncia explora relatórios do TCE que teriam apontados falhas e irregularidades tanto numa como em outra. Ora, o MPF precisa decidir se o TCE é confiável ou não. Se o TCE aprovou, em última instância, as obras e o serviço prestado pelas agências, qual o sentido em procurar relatórios preliminares que apontavam falhas? A tese do MPF é que a aprovação final do TCU seria a prova de que os ministros foram corrompidos. Ok, mas então isso não deveria valer também para os relatórios que apontam irregularidades: afinal, se os ministros eram corruptos, então não seria surpresa (ao contrário, seria o esperado) que pressionassem a área técnica para que fossem encontradas irregularidades em tudo, de maneira a que a administração e, sobretudo, as empresas, ficassem à mercê da decisão final dos ministros. Criar dificuldades para vender soluções, não é essa a fórmula universal da burocracia corrompida?

Há ainda uma coisa efetivamente surreal, que é o uso de uma auditoria feita pelo TCE muito tempo depois dos serviços prestados terem sido aprovados, e que apontaria sua “ilegalidade”. Ora, a condenação retroativa não apenas é inconstitucional, como fere os princípios mais elementares do direito democrático. Se o TCE autoriza uma licitação de uma obra, de um serviço, se aprova um relatório, então o administrador e os prestadores de serviço seguem o seu trabalho. Como elem poderão adivinhar que, anos depois, o TCE irá voltar atrás em sua análise e mudar de ideia? E o pior de tudo: como é possível culpar um administrador de violar regras do tribunal de contas por serviços e obras que, em sua época, foram devidamente aprovados pelo mesmo tribunal de contas?

Se o TCE foi corrupto e cobrou propina das empresas, então que se puna os ministros envolvidos, e porventura também os empresários extorquidos. Se há provas de participação de algum servidor da administração municipal, que se o puna igualmente!

O que é inadmissível é que o Ministério Público e o judiciário usem de seu poder para perseguir politicamente aqueles que os procuradores consideram “adversários”.

Se o prefeito Rodrigo Neves, ou qualquer servidor do município, cometeu crimes, que sejam punidos de acordo com a lei. Mas se não há provas contra ele, e se tudo que o MPF tem a oferecer são ilações preconceituosas, então o que estamos testemunhando não é o combate a corrupção, mas a corrupção das próprias instituições que combatem desvios de dinheiro público.

Até prova em contrário, Neves é um prefeito que termina sua gestão com 85% de aprovação e uma vitória maiúscula de seu sucessor. No evento de despedida em que fez um balanço de sua administração, Neves lembrou que pegou uma prefeitura endividada e agora a entrega, a seu sucessor, com mais de R$ 500 milhões disponíveis para investimentos, uma situação que talvez não encontre paralelo em nenhuma outra cidade do país. O caixa da previdência municipal, lembra o prefeito, tem mais de R$ 700 milhões, outra condição que pouquíssimos municípios desfrutam.

Diante do sucesso de sua gestão, Neves é cotado como um possível nome forte para as eleições ao governo do estado em 2022. Seria lamentável constatar que o desembargador fã do governador cassado, Wilson Witzel, esteja querendo interferir nos destinos democráticos do estado!

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