‘TV trouxe o macarthismo dos EUA para o Brasil’: Daniel Cara fala sobre fantasma do comunismo

Atualizado em 28 de dezembro de 2021 às 8:47
Todas as faces do fantasma comunista
Todas as faces do fantasma comunista

O Datafolha revela agora que 44% dos brasileiros acreditam que o País pode virar comunista.

Usar o comunismo é tática infalível para assustar as pessoas?

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O DCM fez essa e outras perguntas ao educador Daniel Cara.

DCM: Usar o comunismo é uma tática infalível para enganar as massas?

Daniel Cara: Eu não diria infalível, mas eficaz e extremamente nocivo no logo prazo, porque penetra no imaginário das pessoas.

A adjetivação combinada com a atribuição de um rótulo é uma tática antiga. O que preocupa, por ser mentira, é atribuir ao comunismo o que ele não é: um sistema amoral.

Sendo que a moralidade básica do verdadeiro comunismo é a igualdade entre as pessoas, portanto a filosofia do comunismo é, por essência, antidiscriminatória.

Mas falo da teoria. Na prática, a discriminação está introjetada na nossa formação. É esse é um desafio – essencialmente – para a Educação, Cultura e Ciência.

Qual o papel das TVs – principais meios de comunicação de massa – nisso?

O papel das TVs já foi maior e estrutural.

Trouxe o macarthismo dos EUA para o Brasil.

Hoje quem cumpre esse papel são os algoritmos de redes sociais. A comunicação de massas cumpre o papel de criar mapas mentais. Ela não influencia “o que” você pensa, mas – principalmente – “como” as pessoas pensam sobre determinados assuntos.

E mesmo sem a União Soviética, conseguem vender que a opressão é culpa do comunismo, no meio do absolutismo neoliberal no Ocidente, que é o responsável por nossa decadência humana, nossa asfixia até de projeto, como ensinam Foucault, Bourdieu e os marxistas. Ou seja, atribuem ao comunismo o que é essencialmente fruto do capitalismo hodierno.

Se a educação no Brasil é esquerdista, como dizem os bolsonaristas, das duas uma: ou errou no processo pedagógico ou ninguém aprendeu nada ou se aprendeu usa para falsear.

A educação no Brasil não é esquerdista e nem conservadora. Ela é uma política pública sem projeto, abandonada. Se ela fosse freireana, a velha imprensa e as redes sociais, com seus algoritmos, não seriam tão eficazes na criação de mapas mentais absurdos como os da ameaça comunista. É mais, todos e todas nós saberíamos que o problema é o capitalismo neoliberal.

Qual a relação dessa informação com o “tiozão do Zap”. Seria o fato de grande parte dos novos usuários da web (celular na mão de todo mundo) vir de classes C e D, portanto mais suscetíveis de se enganada?

O problema não é de classe social, é de formação. Na base eleitoral bolsonarista tem muitos empresários, médicos, engenheiros. A questão é que a qualidade da educação é ruim no geral. O direito à educação, que na nossa constituição significa, o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, não é garantido no geral. Há uma ironia aí: há quem pague uma fortuna para uma educação que não te faz problematizar o bolsonarismo.

E a nossa tradicional elite nisso tudo?

Aí temos dois caminhos: quem estudou e é bolsonarista ou opta pelo fascismo por fragilidade intelectual ou por falta de caráter e opção de poder: subjugar os demais. As duas coisas são concomitantes e sintetizam parte essencial do comportamento da nossa elite.