A volta de DJ Ivis aos palcos e o pacto da masculinidade (e da indústria). Por Nathalí

Atualizado em 8 de dezembro de 2021 às 20:13
DJ Ivis
DJ Ivis. Foto: Reprodução

Iverson de Souza Araújo, o DJ Ivis, preso depois de ser filmado espancando a própria esposa grávida com socos e chutes (sim, aqueles vídeos que eu jamais voltarei a ver porque me causam mal estar) está de volta à indústria musical.

O agressor foi solto em 22 de outubro, após um pedido de liberdade provisória concedido na sétima tentativa de seu advogado tão persistente quanto inescrupuloso.

Na época em que o vídeo circulou – chocante e asqueroso são adjetivos insuficientes pra essas imagens, ressalte-se -, diante da indignação mais do que justificável da opinião pública, diversos artistas publicaram notas de repúdio e desfizeram as parcerias então firmadas com o DJ.

Lembro de ter escrito um texto aqui mesmo no DCM lembrando aos esperançosos com a prisão do agressor que ele certamente seria perdoado muito mais rápido do que pudéssemos imaginar, e que seus erros seriam esquecidos muito antes de as feridas da vítima cicatrizarem.

Me acusaram de exagerada.

Poucos meses depois, porém, com a crise da imagem do agressor controlada, ele foi abraçado pelos colegas artistas, sobretudo da indústria do forró, e reintegrado à cena musical. No último sábado, por exemplo, participou de uma gravação com Wesley Safadão e foi cumprimentado por fãs e empresários no backstage. Outros nomes do gênero, como João Gomes e Tarcísio do Acordeão, também já fecharam parcerias com o réu.

Não foi muito difícil prever: toda mulher atenta sabe que nada é tão imbatível quanto o pacto da masculinidade. Homens perdoam homens – aprenderam que, assim, serão também perdoados. A sociedade, eivada por valores patriarcais, perdoa homens. A indústria perdoa homens que geram lucro – como era o caso desse agressor em especial.

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A segunda chance de DJ Ivis

Aqui no nordeste, infelizmente, Ivis é um expoente de peso de um subgênero do forró denominado “piseiro” – que mescla forró, funk e música pop –, e seu retorno aos palcos fará girar muito dinheiro. Não é isso que vale?

Ainda tem quem fale em segunda chance. “Todo mundo merece uma”, eles dizem.

E se fosse um pé-rapado? E se fosse um negro? E se fosse uma mulher?

O discurso do perdão é muito bonito, mas hipócrita (como a maioria dos discursos bonitos demais). O perdão concedido ao DJ Ivis não se deve a uma indulgência geral e justa, advém do pacto da masculinidade, da misoginia e, sobretudo, da falta de compromisso ético de uma indústria que não produz artistas, produz dinheiro.

Criticar a cultura de massas não é algo que faço com frequência: procuro evitar demonstrar desprezo por aquilo que é consumido pelas massas, porque tenho pavor a ódio de classes e/ou elitismo intelectual, mas é inevitável dizer: chamar de “música” faixas repetitivas e idiotizantes não é o maior erro da indústria musical. Talvez o maior seja mesmo naturalizar condutas asquerosas (como chutar a barriga da sua esposa, com o seu filho dentro) em nome do lucro.

Estar morto musicalmente era o mínimo – o MÍNIMO – que o DJ Ivis merecia, e ele só recebe acolhimento e uma “segunda chance” porque a indústria musical é podre – e continuará produzindo agressores em série, e perdoando-os sempre que for lucrativo.

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Nathalí Macedo
Nathalí Macedo, escritora baiana com 15 anos de experiência e 3 livros publicados: As mulheres que possuo (2014), Ser adulta e outras banalidades (2017) e A tragédia política como entretenimento (2023). Doutora em crítica cultural. Escreve, pinta e borda.