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Mate um livro agora. Pergunte-me como

Os fãs de Michael Jackson se unem para destruir uma nova biografia do ídolo.

Ele

A campanha para arruinar as vendas da mais recente biografia de Michael Jackson orquestrada por uma tal “Equipe de Reação Rápida a Ataques na Mídia contra Michael Jackson” faz-me pensar o quanto o ambiente democrático da internet não pode transmutar-se num estado absolutista e terminar decretando uma fatwa.

Untouchable: The strange life and tragic death of Michael Jackson”, de Randall Sullivan caiu em desgraça após milhares de resenhas negativas sobre o livro inundarem o site da Amazon. Tudo maquiavelicamente combinado pelos michaeljacjksonianos, uma seita fanática que convocou guerrilheiros via Facebook e Twitter e com críticas ferozes e pretensamente analíticas, derrubaram as vendas da obra de maneira letal. Lançado em novembro nos EUA, a biografia não vendeu nem 5.000 exemplares. Nada a ver com qualidade editorial ou com a forma narrativa escolhida ou com o estilo do escritor. Nada a ver com o espectro literário. Resolveram queimar o livro na fogueira por não aceitarem que MJ tenha tido uma strange life and tragic death. Simples assim.

A internet dá este poder? Sim. E este direito? Aí é que a coisa pega. O poder de manifestar-se e o direito a discordar parecem ainda brinquedo novo para boa parte dos internautas. É um paradoxo que uma ferramenta tão democrática seja utilizada para aniquilar um pensamento divergente e que possibilite arregimentar soldados fundamentalistas para decretar a morte de um livro, de um filme, de um artista (para aqueles mais jovens: fatwa é um decreto religioso feito por uma autoridade islâmica. Foi através disso, por exemplo, que o aiatolá Khomeini condenou à morte um escritor – Salman Rushdie – por causa de um livro, “Os Versos Satânicos”. Faz pouco mais de 20 anos). O espantoso é que hoje em dia façam isso invocando “liberdade de expressão”. Por liberdade de expressão devemos compreender a habitual linguagem chula que permeia os comentários e posts no ciberespaço. É interessantíssimo verificar a oportunidade democrática ser traduzida em barracos raivosos online.

Menos interessante é constatar que o fanatismo seja tão perverso e tirânico. Amam Michael Jackson ou Alá e quem se atrever a publicar algo “ofensivo” às divindades, mesmo que seja uma verdade incontestável, será apedrejado e atirado aos rottweilers. Sem piedade nem chance de debate. Acreditam numa liberdade de expressão unilateral apoiada em crenças, rancores, preconceitos. Querem se expressar, e podem, mas não aceitam ler nem ouvir vozes dissonantes. Faça o teste, se é que isso seja necessário: entre em sua rede social e lance uma polêmica qualquer, só por ensaio. Diga que concorda com o Malafaia, por exemplo, e verá ao que estou me referindo.

De onde vêm estes ogros? Não há, em absoluto, nenhuma relação com classe social, grau de instrução, nada disso. Celebridades perdendo a compostura via Twitter já é praxe. Estes ogros, portanto, estão dentro de nós mesmos. Todos nós.

Mauro Donato

Jornalista, escritor e fotógrafo nascido em São Paulo.

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