Afrouxem os cintos, o presidente sumiu. Por Miguel Paiva

Atualizado em 20 de novembro de 2021 às 23:02
Bolsonaro
Bolsonaro – Foto: Reprodução

Por Miguel Paiva

O dia já tinha nascido meio diferente. O céu azul, o ar fresco e o sol iluminando a copa das árvores. A trilha sonora das maritacas cobria o silêncio com alegria infantil. Me sentia meio criança mesmo, mas ao mesmo tempo procurava saber o que tinha acontecido. Peguei o jornal na porta, ainda tenho esse hábito, folheei as notícias, liguei o computador e a TV e não tive mais dúvidas. Estava explicado. O governo Bolsonaro tinha caído, ou melhor, o presidente tinha sumido. Foi embora na surdina da madrugada esvaziando as gavetas, recolhendo família e agregados e não se sabe ainda para onde, escafedeu-se de vez. Para nossa sorte o vice também sumiu.

Estávamos já vivendo o processo eleitoral. Os presidentes da câmara e do senado já haviam deixado seus cargos para concorrer. A presidência da república, havia acabo de ler, estava com o STF, em sessão continua e revezando a presidência enquanto consultavam a constituição para ver qual o melhor passo a ser dado.

O melhor passo para mim já havia sido dado. Os procuradores e delegados ainda avaliavam o que havia sumido de Brasilia na debandada presidencial. O jato que levou a família havia sido emprestado por um empresário do varejo famoso por suas roupas extravagantes. Parece que ele também tinha aproveitado para abrir uma sucursal em algum emirado árabe.

Aqui no país, festas estavam sendo organizadas, mas ainda respeitando-se os protocolos de segurança, não contra a presidência, mas contra a Covid. Os bolsonaristas haviam sumido das ruas e das redes sociais. Reinava um silêncio à direita dos celulares e alguns remanescentes exigiam eleições imediatas. O congresso reunido em sessão permanente mantinha as instituições de pé. O povo nas ruas festejava, as buzinas tocavam e as pessoas gritavam viva a plenos pulmões.

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Parece até que algumas árvores, milagrosamente, começaram a renascer na Amazônia. Os índios retomaram seus rituais festivos, os negros ocuparam as ruas, as mulheres puderam de novo circular em segurança e a política voltou a ser discutida em cada esquina. Algumas discussões mais acaloradas colocavam democraticamente um candidato frente ao outro num confronto natural de ideias. Uma parada gay totalmente improvisada ocupou a avenida Paulista e do alto do prédio da Fiesp, oportunisticamente uma bandeira do arco-íris foi estendida.

Até o ar de Brasilia ficou menos seco. Uma chuva prazenteira molhou os gramados da cidade que de novo viu o sol brilhar de um jeito diferente.

Lentamente soldados e oficiais foram ocupando as praças da cidade numa espécie de 7 de setembro fora de época. Se abraçavam e abraçavam os populares na rua. Alguém trouxe um cravo que foi enfiado no cano do fuzil do militar.

O clima era de festa com eleições marcadas, candidatos discutindo seus programas e o povo inquieto querendo saber logo do seu futuro. Mas uma coisa era certa, o futuro seria diferente. Possível, difícil, trabalhoso, mas diferente e com uma coisa que já sentiam falta há muito tempo; a alegria. Alegria e esperança vivem mais ou menos juntas. Uma depende da outra e esta era realmente uma chapa vencedora neste pleito entre barbárie e vida. Até agora a vida havia vencido e a justiça estaria aguardando que algum dos fugitivos pisasse de novo por aqui para completar a esperança. Não é um sonho. É só um desejo e pode acontecer.

(Texto originalmente publicado em JORNALISTAS PELA DEMOCRACIA)

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