‘Único setor que andou para trás no país’: Lula fala sobre a imprensa em almoço com jornalistas. Por José Cássio

Atualizado em 20 de janeiro de 2022 às 21:48
José Cássio, editor do DCM, entrevista Lula
O jornalista José Cássio, do DCM, pergunta a Lula na primeira coletiva do ex-presidente em 2022

Nunca havia sequer encontrado Lula quando, de repente, me vejo sentado ao lado dele num almoço.

Minutos antes, o ex-presidente havia concedido sua primeira entrevista coletiva de 2022, ano em que pretende disputar sua 6ª eleição à presidência, cargo que ocupou entre 2003 e 2010, sendo considerado o melhor mandatário da história do país.

O ex-presidente escolheu a dedo os 8 jornalistas que participaram.

Explicou o motivo: tem dívida de gratidão com a turma.

“Jamais esquecerei o que vocês fizeram por mim”, disse, emocionado, logo que todos se acomodaram num mesão quase informal no Hotel Grand Mercure, na região do Ibirapuera, onde se come o melhor mil folhas de São Paulo.

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Lula se referia aos 580 dias em que ficou preso na carceragem da Polícia Federal, em Curitiba, por decisão – agora anulada de forma vexatória pelo STF – do ex-juiz, ex-ministro de Bolsonaro e atual pré-candidato à presidência, Sergio Moro.

Não é só aos jornalistas que ele deve gratidão.

Há um outro grupo que mexe com o ex-presidente todas as vezes em que ele toca no assunto: os correligionários que montaram uma vigília diante da sede da PF e não arredaram pé enquanto Lula não foi solto.

Comentou assuntos no almoço que não disse na entrevista. Sobre Guilherme Boulos, por exemplo:

– Precisamos conversar com ele. Seria interessante que ele percebesse que não é preciso concorrer para assumir o papel de protagonismo em uma campanha.

O comentário surgiu quando o nome de Fernando Haddad veio à tona. O ex-prefeito de São Paulo está entre as prioridades de Lula: ele o quer candidato ao governo de São Paulo.

– Convenhamos, disse Lula. O PT nunca esteve tão próximo de governar São Paulo como agora. Isso não é pouco.

O cálculo não envolve apenas o líder do PSOL. Lula conta também com a candidatura de Geraldo Alckmin, que deixou o PSDB, como vice na sua chapa.

Entende que três estados são decisivos para o sucesso de seu governo em caso de vitória: São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, onde o PT apoia a candidatura de Marcelo Freixo (PSB).

Bem à vontade ao lado da mulher Janja e da presidente do partido, Gleisi Hoffman, Lula contou histórias saborosas e que ajudam a entender não apenas a conjuntura nacional, mas também a mundial.

Falou, por exemplo, sobre sua relação com os Estados Unidos durante os dois mandatos em que exerceu a presidência.

O republicano George Bush, segundo Lula, era melhor negociador que Barack Obama, ainda que o democrata tenha dito que ele “era o cara” em um encontro de líderes do G20.

Sobrou para Hillary Clinton. Segundo Lula, ex-senadora e candidata democrata derrotada por Trump é uma mulher arrogante e que não tem afeição por pobre.

Contou que, numa Conferência sobre o clima, a Cop 15, realizada em Copenhague, na Dinamarca, a então secretária de Estado do governo Obama chegou a já pediu a palavra, ignorando uma lista de inscritos.

– Levantei e protestei, contou Lula. Expliquei que havia uma lista e que deveria seguir a ordem e falar quando chegasse a vez dela.

Dito e feito.

Sobre essa mesma reunião, contou que foi induzido pelos mandatários dos países ricos e fazer uma falação culpando a China pela emissão desordenada de gases de efeito estufa.

Bom negociador, experiente, o então chefe de Estado brasileiro pôs os pingos nos is.

– Temos de considerar, antes de olhar para a China, os 200 anos de revolução industrial, disse. Não podemos cobrar da China, agora, pelo passivo que vocês, os países desenvolvidos, deixaram para trás.

Lula comeu picanha com arroz biro-biro e batatas rústicas, tomou duas taças de vinho, pediu um brinde e arrematou com dois expressos.

Sobre Bolsonaro, o de sempre. Um mandatário que governa pensando nos ricos e destituído do sentimento de compaixão. Ignorou quando alguém contou que Moro estava rosnando no Twitter – Lula chamou o ex-juiz parcial de canalha e quadrilheiro na coletiva.

Muita letra

Contou sobre o recente encontro com Emanuel Macron, em Paris, quando foi recebido no Palais de l’Élysée com honras de chefe de Estado. Explicou que não pediu audiência com o mandatário francês.

– Um assessor dele nos procurou, propõs o encontro e aceitamos, disse com a mesma naturalidade com que pede mais um café.

– Só não imaginávamos que seríamos recebidos daquela forma.

Alguém perguntou sobre o que Macron teria dito de Bolsonaro, seu grande desafeto. Discreto, o ex-presidente respondeu com uma frase de cinco palavras.

– Ele não gosta do Bolsonaro.

Também falou da imprensa. Segundo Lula, é um dos poucos setores que andaram para trás no país.

– Você falava com o Dr. Roberto Marinho, mas não fala com os filhos, disse. Com o Frias pai [ex-controlador da Folha] era a mesma coisa. No Estadão, em diversas oportunidades estivemos com o Rui e Júlio de Mesquita.

– Atualmente os filhos nem participam mais do cotidiano do jornal. Aliás, alguém aqui ainda lê os editoriais do Estadão?

A Veja, segundo Lula, é uma situação ainda mais curiosa.

– Alguém já viu uma revista que não tem dono?, perguntou, irônico.

Lula está empolgado com as novas plataformas digitais.

Mas, ainda que se considere leigo no assunto, exceto nos podcasts, não vê grandes novidades no campo jornalístico.

Contou que resistiu para ir ao Podpah, mas que se surpreendeu com a repercussão – até o fechamento desta matéria o vídeo com a sua participação tinha mais de 8,5 milhões de visualizações.

Inquieto, propôs ao grupo uma conferência para discutir os destinos das plataformas e a melhor forma de potencializar o setor.

No filme que conta a história de sua vida, Lula aparece reclamando do jornal do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Diz que ninguém entendia patavina do que ali estava escrito.

Tão logo assumiu a presidência da instituição, mandou produzir um tabloide com poquíssimas letras, para usar uma expressão de peão de fabrica, e muita ilustração.

A tiragem aumentou, o couro comeu e o restante da história todo mundo conhece.

Lula está mais afiado do que nunca.

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