Mídia brasileira usa dois pesos e duas medidas. Por José Dirceu

Atualizado em 19 de novembro de 2021 às 8:17
Lula discursa em evento concorrido em Paris
Lula discursa em evento concorrido em Paris

Por José Dirceu

Quando se trata de Lula, a mídia corporativa brasileira, a começar pelos tradicionais jornalões, é capaz de esquecer o princípio mais elementar do jornalismo: o de cobrir os fatos que são notícia. A atual visita de Lula à Europa, que iniciou-se no final da semana passada com um encontro entre ele e o provável futuro chanceler da Alemanha, Olaf Sholz, foi solenemente ignorada pela mídia brasileira. Só começou a entrar timidamente no noticiário nacional depois da repercussão na mídia estrangeira de seu discurso no Parlamento europeu, onde foi aplaudido de pé pela plateia dos partidos do bloco de centro-esquerda, e de seu encontro com o presidente da França, Emmanuel Macron, que o recebeu com protocolos de chefe de Estado.

A mídia que tenta esconder a viagem exitosa do líder do maior partido de oposição do país, ex-presidente da República por 2 mandatos e provável candidato a presidente da República em 2022, é a mesma que dedica horas e páginas ao lançamento da pré candidatura de Sérgio Moro, um fato político que, reconhecemos, é relevante. Qual é o critério? Ambos são pré-candidatos à presidência da República, portanto, o movimento de qualquer um dos 2 –apesar da distância abissal de representatividade entre um e outro– é um fato político que merece ser noticiado.

A questão é mais grave se abordamos a –mais do que noticiada– possível candidatura de Geraldo Alckmin à vice-presidência de Lula. A fábula não para e tem novos capítulos. Já se transformou em “dilema do PT”, risco de o “mercado” (leia-se bancos, rentistas e Faria Lima) impor Alckmin no lugar de Lula. E pouco importa Lula ter declarado: “Eu já tenho 22 vices e 8 ministros da Economia, quando eu ainda nem decidi ser candidato. O vice é uma pessoa que tem que ser levada muito a sério na relação com o presidente, porque ele pode ser presidente. Tem que ser uma pessoa que soma com o presidente e não que diverge do presidente… quando eu decidir ser candidato, aí sim eu vou sair a campo para escolher meu vice”.

A questão que se coloca é: pode legalmente a mídia corporativa agir assim? Haverá da parte da justiça eleitoral e do STF medidas para evitar, para além dos debates e suas regras, igualdade de condições, paridade de armas no tratamento, não editorial, mas noticioso da mídia comercial? Ou seremos imediatamente taxados de totalitários, bolivarianos, chavistas, ao exigir respeito aos fatos?

O que fazer contra a censura? Isso mesmo, censura pura e direta que desconhece os fatos e a realidade, não os noticia ou os joga para o pé da página. Como pudemos ver, o noticiário fala da viagem de Lula a Europa e trata da escolha do vice, de Alckmin; mas não menciona:

  • que Lula foi aplaudido no Parlamento europeu;
  • que foi recebido pelo designado 1º ministro alemão e sua agenda no dia;
  • a pauta de suas reuniões com líderes europeus;
  • o que ele propõe ou pensa sobre nossas relações com a União Europeia.

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Capital financeiro e a mídia corporativa

A mídia corporativa é cada vez mais propriedade do capital financeiro seguindo uma tendência geral da economia brasileira e mundial, fato que não é noticiado ou analisado pela própria mídia corporativa. A omissão é proposital porque desvendar quem controla a notícia e a informação, a formação das opiniões, é revelar quais interesses dominam e controlam nossa mídia.

Que a mídia corporativa brasileira seja neoliberal, ortodoxa ou mesmo de direita, ainda que envergonhada, faz parte da realidade e da luta política e de ideais, de visão do mundo e de projetos para o Brasil. Mas temos uma Constituição no Brasil, temos leis a respeitar. A própria mídia se apresenta como defensora da democracia e do estado de direito –daí sua oposição clara e aberta aos arroubos ou mesmo objetivos ditatoriais de Bolsonaro.

No seu capítulo 5, a Constituição diz claramente que os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio. No entanto, o que sempre aconteceu foi o contrário: impôs-se um monopólio, mesmo que às vezes disfarçado, que agora passa a ser controlado pelo capital financeiro.

A Constituição diz ainda: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e, atenção, a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição”.

O que fazer com a restrição diária, constante e permanente, das informações que assistimos? Como enfrentar o crescente monopólio da mídia, em parte contido pelo avanço das redes sociais, pela criação de sites e blogs independentes, agora sob ameaça das big techs?

Só há uma resposta: a denúncia e a luta pela aplicação estrita da nossa Constituição. Nessa luta, temos que usar todos os meios, inclusive apelando às cortes superiores para que façam cumprir a lei, da mesma forma como têm agido em relação à veiculação de fake news. É preciso organizar uma campanha nacional de checagem do noticiário e das informações não veiculadas pela mídia corporativa, denunciar suas omissões e partidarismo, exercer uma pressão democrática pelo nosso direito constitucional à informação e fortalecer os canais independentes de veiculação de notícias.

 

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