Da Vulva Política à Percepção Menstrual, páginas na internet falam sobre saúde e sexualidade feminina. Por Larissa Bernardes

Arte: Barbara Ribeiro (@fiqueamiga)

Você, mulher, conhece o seu corpo? A princípio, a pergunta pode parecer estranha, mas em uma sociedade dominada pelo patriarcado, a resposta tende a ser “não”.

Durante vários séculos, a “histeria feminina” foi uma condição médica reconhecida. Tratava-se da patologização de emoções naturais ou distúrbios psicológicos que afetavam o que deveria ser o comportamento “adequado” de uma mulher.

“Acreditava-se, na antiguidade, que a energia vital desse órgão se deslocava para outras regiões do corpo, causando os ataques. Já na Idade Média, eles eram considerados manifestação de bruxaria e não foram poucas as mulheres queimadas vivas por causa disso.

A psiquiatria do século XIX, por sua vez, acreditava que a raiz devia estar em uma lesão orgânica, enquanto outros falavam em fingimento”, diz a psicanalista Maria Teresa Lemos em entrevista à revista Superinteressante.

De acordo com a premiada animação “Le Clitoris”, dirigida pela canadense Lori Malépart-Traversy, o clitóris foi oficialmente identificado apenas em 1959 por um cirurgião italiano.

Estes são alguns dos exemplos de como, historicamente, a saúde e a sexualidade foram direitos negados às mulheres.

Obviamente, séculos de negligência causaram consequências inclusive nos dias atuais. Informações básicas sobre saúde ginecológica, contracepção e ciclo menstrual são relativamente difíceis de serem encontradas.

Os motivos são diversos: falta de políticas públicas específicas, moralismo, falta de espaços de discussão… tudo isso permeado pelo machismo que ainda assola a sociedade.

“As mulheres encontram muita dificuldade, primeiro porque a gente vai em um ginecologista e raramente temos um papo legal no início de tudo falando, por exemplo, como fazer a higiene íntima, como ocorre todo o exame ginecológico… raramente uma profissional vai perguntar se você sente prazer, se você sente dor, não tem essa abertura. Até mesmo em sessões de psicologia, muitas pacientes minhas relatam uma falta de abertura para falar sobre esse tipo de assunto na terapia. Então, falta muito espaço para a gente poder se abrir sobre assuntos básicos e depois ampliar para assuntos mais íntimos mesmo”, diz a fisioterapeuta pélvica Ana Cristina Gehring.

Na contramão do obscurantismo, mulheres de todo o Brasil estão criando páginas na internet que têm como objetivo justamente ajudar outras mulheres a conhecerem o próprio corpo e se empoderarem de sua sexualidade.

Para a ginecologista Juliany Nascimento Silva, criadora da página Ginecologista Sincera, não tem como falar sobre saúde da mulher sem falar sobre desigualdade de gênero.

“Percebi que não adianta falar em usar camisinha sem falar sobre desigualdade de gênero e o quanto ela reduz o poder de negociação da mulher [com seu parceiro]. É preciso empoderamento para prevenção de fato acontecer”, diz.

Segundo a médica, a página, que tem mais de 260 mil curtidas, foi criada para que ela pudesse falar abertamente sobre coisas que não cabem em uma consulta formal.

“A ideia da criação da página era, primeiramente, separar meu perfil pessoal do profissional no Facebook (as pacientes me viam online de madrugada e queriam resultado de preventivo às 3 da manhã). Mas, enquanto fazia a página, percebi que não queria fazer uma página apenas profissional, eu queria fazer uma página sim, pessoal, onde eu pudesse ser livre pra falar o que eu penso e não posso nas consultas, cujo tema fosse o que eu mais adoro fazer no mundo: promover saúde entre mulheres”, afirma.

Barbara Ribeiro, dona do perfil Fique Amiga, conta que tudo o que aprendeu sobre sexualidade feminina foi sozinha e com muita dificuldade. E, assim, decidiu passar seu conhecimento a outras mulheres que estavam na mesma situação.

A ideia [da criação da página] surgiu de uma vontade louca de contar para as mulheres coisas que deveriam ser básicas no nosso aprendizado, mas que ninguém conta pra gente.

Como o nosso muco cervical, que é uma secreção natural do nosso corpo que sai durante todo o nosso ciclo em quantidades e aspectos diferentes, faz bem para o nosso corpo, mas chamamos ele de corrimento e tentamos acabar com essa secreção achando que é algo patológico.

Não aprendemos sobre o nosso ciclo, simplesmente menstruamos algum dia e nem sabemos o porquê.

Sempre amei estudar sobre saúde da mulher, então tudo que eu aprendi foi sozinha com muita curiosidade, e amo passar isso pra frente para as manas”, afirma.

“A sexualidade da mulher é um tabu gigantesco, informações sobre quem somos é escassa. Em maior parte as informações disponíveis tratam a mulher como se fosse uma grande doença, nossos processos naturais acabam se tornando algo patológico, nossa menstruação, gravidez, menopausa.

Em relação ao sexo, as mulheres que sofrem de alguma disfunção sexual como vaginismo (impossibilidade de penetração) ou vulvodinia (ardência vulvar) ficam completamente desamparadas na hora de procurar ajuda profissional, tudo que envolve a sexualidade da mulher é ocultado e tratado de forma extremamente constrangedora, ir ao consultório ginecológico acaba sendo uma visita muito dolorosa e difícil”, completa Barbara.

A demanda por profissionais ligados à sexualidade feminina vem crescendo, à medida também que o assunto vem, aos poucos, deixando de ser um tabu.

A fisioterapeuta pélvica Ana Ghering, que é dona da página Vagina Sem Neura, conta que no início de sua carreira atendia um público variado, mas que mulheres com disfunções sexuais passaram a ser sua principal área de atuação.

“Quando comecei a trabalhar, me identificava com a sexualidade, achava que teria pouca clientela e, por isso, acabei atendendo todo mundo no começo”, diz. “Mas, já faz quase 2 anos que eu atendo só disfunções sexuais femininas. O meu público é basicamente mulheres entre 20, 25, 30 anos que têm bastante dor na relação sexual e relatam falta de prazer”.

Assim como a ginecologista Juliany Nascimento, Ghering criou sua página a partir da necessidade de expandir o que era discutido dentro do consultório com suas pacientes.

“A minha página surgiu da necessidade de passar as informações que eu tenho guardadas dentro de mim, de tudo o que eu estudei, para o mundo. No meu consultório, posso atender no máximo 10 mulheres por dia. Então, eu sei que tenho muito conteúdo e com informações básicas, posso ajudar muitas mulheres”, afirma.

Barbara Ribeiro dá dicas de outras páginas, que como a sua, ajudam as mulheres a compreenderem melhor a própria sexualidade.

“Felizmente tem mulheres incríveis trabalhando pra produzir conteúdos incríveis pra outras mulheres, eu indico a @vulvapolitica, a @percepcaomenstrual, @vulvodiniavocenaoestasozinha e @prazerela“.

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Larissa Bernardes

Editora. Formada em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

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