Enquanto setores culturais sofrem com Bolsonaro, games ganham afagos do governo

Jair Bolsonaro (Foto: Evaristo Sa/AFP)

Reportagem de Eduardo Moura na Folha de S.Paulo informa que o presidente Jair Bolsonaro tem feito acenos para a indústria de videogames. Na última quinta-feira (15), publicou decreto que reduz alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), “incidentes sobre jogos de vídeo e suas partes e acessórios”. Bolsonaro também mencionou, em postagem nas redes sociais, taxas de importação para eletrônicos.

De acordo com a publicação, no Twitter, como que para justificar a preocupação com os games, o presidente disse que “o Brasil é o segundo mercado no mundo nesse setor”. Sim, o mercado consumidor brasileiro é grande. Mas, não, não é o segundo. De acordo com a Newzoo, empresa de análise especializada no setor, o país é na verdade o 13°, com 75,7 milhões de jogadores, que gastaram ao todo US$ 1,5 bilhões em 2018. “O setor de games surgiu como software e, no imaginário, ele ainda está muito próximo do setor de software. Enquanto nas ‘culturas clássicas’ a parte de negócios é uma consequência, o setor de games já nasceu voltado para o mercado. Quase não existe [o debate] ‘mercado versus cultura’”, diz o pesquisador Pedro Zambon, que mapeou o ecossistema brasileiro de jogos digitais. “O governo encara o produto [game] como bem de entretenimento, diferente de cultura. Isso não é exatamente bom”, diz Luiggi Reffatti, programador e designer da Fira Soft, empresa brasiliense de games. O decreto em favor dos consoles vem seis anos depois da frase “é um crime o videogame, tá ok? Você tem que coibir o máximo possível”, dita em 2013 por um Jair Bolsonaro ainda distante da faixa presidencial, no programa Mulheres, da TV Gazeta. Em 2019, já presidente, Bolsonaro ligou pessoalmente para o jogador profissional de Counter-Strike Gabriel Toledo, conhecido como FalleN. A pauta da conversa era redução de impostos sobre games.

Para o jornalista João Varella, autor do livro ainda inédito “Videogame – A Evolução da Arte” (Ed. Lote 42), essa inflexão está ligada ao imaginário criado pelos jogos AAA (ou “triple A”), como são conhecidos os games blockbuster —para usar outro estrangeirismo, são os mais mainstream e nos quais, segundo Varella, a “competitividade exacerbada” impera. “Esses jogos costumam tocar em questões que são parte dessa cultura branca, heterossexual e conservadora. Uma das franquias de maior sucesso desse mercadão é ‘Call of Duty’, que tem uma clara pauta de exaltação militar”, afirma o jornalista. Se o conceito de guerra cultural tem como epicentro temas como raça, sexualidade e comportamento, então essa idealização dos games é terreno menos hostil para a direita. “Nos games de maior expressão, existe uma cultura de violência para resolução de problemas que encaixa com uma ideia bolsonarística. E aí clica uma coisa com a outra”, diz Varella, completa a Folha.

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Pedro Zambarda de Araujo

Escritor, jornalista e blogueiro. Autor dos projetos Drops de Jogos e Geração Gamer, que cobrem jogos digitais feitos no Brasil e globalmente. Teve passagem pelo site da revista Exame e pelo site TechTudo. E-mail: [email protected]

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