Fábio Assunção fala sobre drogas e sua condição: “Vício não é uma questão de caráter”

Fábio Assunção. Foto: Reprodução/YouTube

Nani Rubin entrevistou o ator Fábio Assunção no jornal O Globo.

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Você acaba de gravar a série “Onde está meu coração” (para o Globoplay, ainda sem data de estreia), em que vive o pai de uma dependente de crack. O convite para o papel  te perturbou de alguma maneira?

Sempre busco uma profundidade nas almas das personagens que faço, entender quem são essas figuras. E, quando fui convidado, vi essa possibilidade. É uma série que discute a família. A dependência na família tem que ser debatida abertamente. Um dos grandes problemas da dependência é as pessoas terem vergonha de falar sobre ela, porque dificulta o processo de reequilíbrio. Além disso, tem 29 anos que faço televisão, o espaço da dramaturgia é um lugar que conheço bem, em que me sinto muito confortável para discutir qualquer tema.

E como o tema é tratado na série?  

A personagem da Letícia Colin é uma médica de 30 anos que usa drogas e esconde isso das pessoas com quem convive, ela vai para uma salinha do hospital fumar crack, por exemplo. O pai também é médico, bem na vida, mas no desespero tenta interná-la sem o seu consentimento. Qual é a dificuldade de entender que o vício faz parte dos buracos que a gente tem na alma? O vício não é uma questão de caráter, ou de escolha. Não é você aceitar uma propina. É impulsão, compulsividade. Não tem a ver com classe social. Não está ligado a pretos e pobres, de comunidades, que são absolutamente estigmatizados. A ilegalidade da droga é colocada como uma forma de você segregar toda uma população que é excluída do nosso sistema branco de consumo. A série vai trazer estas questões à tona. É uma hipocrisia a sociedade não falar sobre esse tema, uma vez que é uma sociedade que se medica o tempo todo, com produtos lícitos ou ilícitos.

Você tem pesquisado muito sobre drogas e dependência química. Motivado pela série, ou o interesse é anterior a ela, por sua própria condição?

Primeiro, tem uma questão de experiência pessoal, das coisas que passei. Através do meu processo de drogadição, conheci pessoas de todos os tipos, e fui formando meu ponto de vista. A quem interessa a ilegalidade das drogas? A quem interessa a internação compulsória? A muitos setores, menos ao usuário, ao dependente. Porque se fosse uma coisa conversada, aberta e exposta, uma questão de saúde — como de fato é — essa tensão seria diluída. Mas muitas instituições ganham com o fato de ser ilegal. Também me interessei pelo tema porque, a convite do Lula, integrei uma comissão, com psiquiatras e profissionais que trabalham com gestão pública de saúde. A ideia era ter uma política de drogas renovada, com novas ideias, novas perspectivas para o Brasil. Porque uma parte do mundo parece estar trabalhando para informar, entender melhor processos como o das drogas, depressão, pânico. E a sensação que tenho é que outra parte do mundo quer voltar para trás. 

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Pedro Zambarda de Araujo

Escritor, jornalista e blogueiro. Autor dos projetos Drops de Jogos e Geração Gamer, que cobrem jogos digitais feitos no Brasil e globalmente. Teve passagem pelo site da revista Exame e pelo site TechTudo. E-mail: pedrozambarda@gmail.com

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